Lâmina Sem Gume

Inquiro-me pra onde foram

meus naturais pares,

os colegas da infância,

os voantes alvejados pelo

bodoque da iniqüidade,

aquele trilho que conduzia

às vendas com seus balcões

e baleiros em globo girante,

a voz firme a reprimir pelo

não cumprimento da ordem,

os sonhos com belas manhãs

e alegres tardes de domingo,

e o ideal nirvânico, do saber, do ser.

Nada encontro: todos sentidos estéreis...

Despertado do sonho, contabilizo apenas:

a imagem, não fotografada, do verdor da vida,

ainda presente no tênue fio da memória da genitora;

a ilusão de ouvir o soturno canto do urutau;

quase cicatrizes e meras lembranças;

as abundantes lágrimas a palmilharem

apressadas por esta sulcada face;

o amargor que medra, ininterrupto,

como quem quer explodir este

contuso peito e reduzir-me

a uma lâmina sem gume;

esta insuportável dor e a caneta

– o papel também está reciclável – ;

o relógio que registra o 1º/6 do dia,

( não, já se passaram alguns segundos );

o aproximar da aurora – a do tempo –,

da rosicler – somente do cler –

porque, das rosas, não sinto o perfume

que saciava meu olfato

e enlevava minha alma.

E aí, estará claro, e meu mundo, brusco...

De súbito e arguta, você ressurge;

perscruta, mesoclisa-se,

e arranca-me do roto peito a adaga

e, do hipogeu, o exânime homem.

Infiro que nunca me abandona

e que se verga com o meu cálice.

E sinto você

como a célula, seu núcleo...

...Num solilóquio mudo:

– Até quando?!

– Perenemente!...

– Você será eterna enquanto eu viver!...

– É mineral primeiro na escala de dureza.

– Meu mentar já reconhece os caminhos que a si convergem.

– Minh’alma enlaçou a sua para sempre qual este apóstrofo,

e assim, permanecerei consigo,

águas de mesmo curso ou de divisor...

E o tempo passa!... Tudo passa!...

Ou quase tudo,

Você permanecerá!!!

Sebastião Brito Filho

Brito Filho Sebastião
Enviado por Brito Filho Sebastião em 08/06/2024
Reeditado em 16/06/2024
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