Devaneio (Retalhos de mim por ti - 2)
Sonho eu ouvir as palavras tuas
uma espera à chinesa escancarada
pingo a pingo a gotejar latentes
eu à míngua de ti à intermitência
sufoco com tanta espera e demência
é angústia o nome da coisa crua
sei que vens, tens vindo sei, mas
de que modo vens, quase indo.
Eu cada vez mais enlouquecido,
me agito, rolo, desviro, reviro
e até grito, têm-me por varrido
eu apenas varado por cupido
(ai!)
Nem acredito que creio nisso
que escrevi isso, de flechado
ter sido. Piegas, amor bandido.
Sim, fi-lo, é tolo como carta
de apaixonado à amada louca
Banido de teus sonhos me sinto,
Demasia só, só demais...
- Garçom, a conta!
Vou-me embora passear no cais
ver navios, dar miolo de pão
a peixes fritos, dar milho a pombos
que há muito voaram, velas içadas
âncoras, amarras, arrimos arriados
por anjos caídos em desterro
- c'os diabos! Vocifero.
Era para ser ser de luz, fera não!
O verso apodrece, a palavra no ar
não propaga, morre ao pé dos ouvidos
teus, que estás por certo a cabeça
nos astros a escutar cochichos
sem ecos de mim, um grão vazio
na areia escaldante a queimar-te
os pés. Quando acordar disso,
devaneio, por certo sonharei contigo,
pois assim tem-me acontecido.