À BEIRA DO RIO & LÍDIA NUNCA VIRÁ
A literatura é uma viagem e a poesia um barco a navegar em tranquilos ribeirões ou à beira dos precipícios.
O legal é que enquanto viajamos, podemos dialogar com os seus aventureiros tripulantes de todos os lugares e épocas.
No poema de hoje converso com o nobre poeta contemporâneo Pedro Cabral.
Venham com a gente!
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LÍDIA NUNCA VIRÁ
(Pedro Cabral)
A bruma oculta a cidade.
Lisboa esconde-se até ao nascer do Sol,
Lisboa antiga, bairros imemoriais,
cidade eternizada pelas varinas desaparecidas,
pelo poeta que falou na volta de Sebastião,
do poeta que imaginou beijar Lídia,
de mãos dadas à beira Tejo,
que olhou os vasos de hortelã
no parapeito das varandas
e nos explicou o mistério
da "Chuva Obliqua "
A chuva que ao bater nos vidros das janelas
se transforma num poema a nascer.
A praça é uma arena
vista entre as arcadas dos ministérios.
Ali, no Cais das Colunas,
entre a bruma.
- Lídia não está.
Só vemos
um homem de costas
para o Terreiro do Paço
e o seu arco triunfal.
Sombras
confundem-se nas águas
do rio,
Há pés nos degraus
que entram na água,
um vulto,
olha a fatia cinzenta do céu
e diz
- Lídia nunca virá.
Há anos no cais, nesta hora,
uma gaivota solitária
pousou na coluna.
Há uma solidão metafisica no ar
uma aparente sensação de paz.
O cais batido pela leveza da ondulação
é um altar suspenso que entra no rio.
- Não há rugas no teu rosto.
Diz o homem
- Lídia, inevitável Lídia,
permaneces viva no sonho,
ouvirei os teus passos
por cima dos gritos roucos
saídos do chão,
por cima do borbulhar das águas,
por cima do crepitar do fogo,
por cima das memórias
do derradeiro auto de fé
feito nesta praça.
- Lídia nunca virá.
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À BEIRA DO RIO
(Rosalvo Abreu)
O amor, essa quimera,
assim como o mistério
suave do rio,
em algum momento
vai nos tocar.
No cais, eternizam-se
as memórias indeléveis
dos toque das mãos
que nunca se encontraram.
Clandestinamente
as águas mansas
e misteriosas do Tejo,
beijam suavemente
o cantinho dos lábios
dos amores desejados
e nunca alcançados
dessa cidade.
Deitado à beira rio
sorrio e uma “gota
oblíqua” e silente
lentamente escorre.
Não sei se é o toque
da fluidez das brumas
ou uma lágrima profunda.