Anjo de Pedra

1.

Stress, estresse, stress...

A deusa Fortuna me levou,

caprichosamente,

a um certo Hotel-fazenda:

descansar, refletir, jogar bola...

Por incrível que pareça,

por lá surgiu um dia,

um anjo... de verdade!

— Será que não seria... uma

construção da minha mente?

Anjos costumam não ter

existência material

mas este era real.

2.

Bem no centro do seu rosto

despontava um nariz reto,

grego — cinzelado —

levemente arrebitado.

Um par de asas-de-andorinha

e dois estonteantes faróis verdes

divisavam a parte de baixo

da generosa fronte que tinha:

— Elegante, lisa, irretocável,

indisfarçável sinal de inteligência,

além da sutil sensualidade.

A boca séria, prussiana, se fechada,

constantemente dava lugar

— dentes de neve a se mostrarem,

a voz branda como brisa do mar —

a uma alegria sincera, sem limites!

Maçãs salientes, queixo pronunciado,

a pele naturalmente dourada;

lisos e cheios cabelos louros

aquela aparição completavam.

Do seu corpo nada notei

tamanho fascínio

que o seu olhar exercia:

— Irresistível!

Mas acredito que se cobria com tecidos.

Poderia existir criatura

com uma tal descrição

ou seria alucinação?

E conversávamos muito:

— Atualidades, relacionamentos,

metafísica...

3.

Um dia passeávamos longe,

para além dos prados,

e caminhando aquele anjo

uns passos à minha frente,

sumiu repentinamente...

— Então acordei!

Eu não podia acreditar,

nem aceitar,

nem conviver,

com esta irreparável perda.

— O que estariam os deuses

aprontando comigo

desta vez?

Corri a procurá-lo

no lugar em que no sonho

ele desaparecera.

Aproximando-me do local

antevejo alguma coisa

por trás de uma sebe:

— João? Era não.

Também não era lebre.

Bola não era... Pedra!

Apenas uma pedra,

quase do meu tamanho.

— Por dez mil tirivas!

Onde havia um anjo

restava agora somente

uma simples pedra.

4.

— Cismei com a pedra!

Acreditava que o anjo

estava de alguma forma

dentro daquela pedra

e que,

com um pouco de habilidade,

paciência e trabalho,

poderia libertá-lo,

esculpindo lentamente.

— Ganhei a pedra de presente!

Com ela já em casa,

iniciar logo os trabalhos

era a coisa mais urgente.

— Bate! Bate!... Corta! Corta!...

Raspa! Raspa!... Lixa! Lixa!...

A pedra perdia aos poucos,

partes que não lhe serviam.

Martelava, esfalfava-me...

Entalhava, me esfolava, me feria.

Nada fazia crer

que um anjo ali se escondia.

Com as esperanças renovadas

o desafio sempre retomava:

— Trazer o anjo de volta!

Porém, dia após dia,

pouco... muito pouco

resultado aparecia.

Meses de trabalho se passavam:

— A pedra escavada, esburacada...

Nem sombra do anjo se via.

5.

E, por fim...

o sonho acabou.

O que restou da pedra

ficou como lembrança

da luta que me ajudou

finalmente a concluir:

— Eu não precisava mais dela!

Todo aquele sofrimento

no corpo e na alma vivido

foi, sem dúvida alguma,

uma experiência única:

— Indescritível,

mágica,

incomensurável.

Eu estava — vejo agora —

sendo instigado a crescer:

— Desenvolver o corpo,

fortalecer o espírito.

Superar adversidades,

as tempestades,

as dores

fez com que

— em pouco tempo —

eu avançasse muito!

Me fiz

— ou me refiz —

mais forte,

mais persistente,

mais decidido:

— Sem medos e sem culpas!

Caminho agora pra me tornar,

cada vez mais,

um ser,

verdadeiramente,

humano:

— Um Homem!

Lembro que, realmente,

eu tivera o pressentimento

de que o brilho daquele anjo

haveria de lançar Luz

também na minha vida.

Agora espero calmo

o dia

em que talvez a Paz

— sozinha —

tome conta do meu coração...