Desnuda

Quero ser eu de novo, evoluída, com prazer, tesão, desejo, satisfação, intensidade, reconhecimento, orgulho, amor, doação, entrega, valorização, cuidado, cheia, sentir tanto amor que o coração chega a doer, sentir tanta saudade que o peito aperta, sentir tanta gratidão que o corpo fica em paz, por um tempo... eu quero, eu preciso, voltar a ser eu.

Me misturei com as pessoas que convivo, nos ambientes que frequento, e agora a conta chegou, me sinto metade de mim, pior, não acho a outra metade em ninguém e em lugar nenhum, isso porque só eu posso me completar, a humildade, a curiosidade, a transparência, a inocência da minha criança interna, criança desnutrida, medrosa, que se sente insignificante e incapaz. O trabalho reiterou que eu deveria colocar mais armadura, reforçar a minha casca para me proteger, meu relacionamento reforçou que devo ser medrosa, morna, mediana, mas espera aí, para tudo, eu não sou assim, vocês querem que eu seja, mas não sou e por mais que tenha sido esse tempo acabou, chega, basta! Vocês terão que me aceitar, me reconhecer, como sou em essência, cheia de qualidades e também de defeitos, mas não venha exaltar meus pontos fracos em detrimento a sugar meus pontos fortes, saí para lá, não quero mais!

Bastou no trabalho há 3 anos e também na relação, no trabalho acordei fazem 2 anos, no relacionamento acordei faz 1 ano. E quando se desperta como faz para voltar a dormir ou ao menos cochilar? Eu não sei. Uma vez que se abre os olhos e se enxerga, como faz para voltar a ser cego ou a fingir que não viu. Alguém sabe? Me conta? Me salva? É só isso que eu quero, preciso... pelo amor de Deus, alguém me ouvi? Tem alguém aí? Me salva? Não aguento mais ser quem não sou, estar onde não quero e continuar a viver como se a vida fosse infinita e meu tesão não fosse acabar. Eu quero amar e ser amada. Eu quero desejar e ser desejada. Eu quero notar e ser notada. Alguém se habilita? Eu sei, desprezei por muito tempo tudo isso, mas agora, talvez tarde, eu acordei, não disposta ainda, mas cá estou, por favor, reconheça! Conheça! Me encara! Essa sou eu! Posso ser eu? Não dá mais... a vida me empurra, eu me seguro, me agarro com toda a força para não trocar o pé do passo, mas não dá mais, eu vou trocar, o passo será concluído o sofrimento amenizado, a dor restaurada, mas e depois? O que será de mim? Só, mas só já estou? Nua, talvez completamente. Mas é sobre isso... um desnudar sem fim, um tirar as armaduras até o fim, um compreender-se a se despender do que se é... ufa! Respirei, pareceu que por anos eu estava imersa em água, meus olhos acima do nível, mas meu nariz abaixo, a pressão no peito e nas costas, as pernas querendo subir, os braços a meio nível, as mãos para cima, mas ninguém podia me desagonizar, o tempo passou, as feridas... umas abriram e outras cicatrizaram, tive coragem, abri os olhos, notei uma areia embaixo dos meus dedos, eu estava na ponta dos dedos, havia chão, pisei e me firmei com os dois pés, dos calcanhares até a ponta dos dedos, estendi os joelhos, alongando minhas pernas, automaticamente meu quadril estendeu juntamente com meu ventre, minha barriga e meu tórax, meus braços saíram inteiramente da água, minhas narinas sentiram o ar fresco e molhado, meus cabelos estavam com as pontas molhadas, mas do meio para o topo, secos, ual, o que estava acontecendo? Eu não estava mais submersa, do meu nariz para cima tudo estava seco, do meu nariz para baixo tudo estava molhado, foi aí que notei que eu mesma havia entrado naquele mar e me afundado no raso, que bastava querer não estar ali para respirar aliviada, que loucura! Mas assim foi, assim eu fiz... entrei naquele lugar achando ser profundo, quando notei era raso, mas eu desejava que fosse fundo, que descoberta! O tempo passou, não sei quanto, mas hoje mergulho, de corpo inteiro, inicio pela cabeça e termino nos pés, não mais inicio pelos pés e termino perto da cabeça, e permaneço, consciente, mas volto, quando quero, sabendo que meu inconsciente é um mar que me agacho e pareço afogar, por querer que seja fundo, mas é raso, sou eu quem me agacho e fico, mas me levanto e pareço despertar. É como sempre estivesse tido ali e nunca notado. É como sempre tivesse sido eu, mas nunca vivido eu.

Roberta Graciani
Enviado por Roberta Graciani em 28/02/2024
Código do texto: T8009216
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.