Maternidade
O ventre desnudo
Prazer que antecede a dor
Mulher parturiente, portal da vida
Simula o mar no ventre
Criação e tempestade entre as pernas
Existem mães, existem mulheres
Existem mães que são mulheres
Me fizeram mãe me fiz mulher
No amor e na dor forjada
Por dores que não escolhi doer
Me abandonaram no pedestal
Clausura hipócrita de cristal
O parto é o início da partida
O cordão umbilical é só a metáfora
Da despedida que nunca finda
Cicatriz que se perpetua na prole
A cada ano de vida
Trocamos suas primaveras
Por mais invernos nossos
Ser mãe é parir um pouco a cada dia
A maternidade é a perpetuação do luto
É perda diária de nós mesmas
É um adeus programado
Esse é nosso legado
Por isso amamos e destruímos
Com a mesma intensidade
O objeto de nossa dor
Não há glamour na maternidade
Além da ruptura contínua de si mesma
Mutilação psíquica desde o parto
O ninho não é construído
É desfeito a cada dia
Há mães que devoram os filhos
Os querem de retorno ao ventre
A maternidade é canibalismo
Sou mãe sou mulher sou canibal
Sou autofágica nostálgica
Acostumada a perder minha cria
Desde o parto, todo dia