LIRA XVII

A minha amada
É mais formosa,
Que branco lírio,
Dobrada rosa,
Que o cinamomo,
Quando matiza
Co’a folha a flor.


Vênus não chega
Ao meu Amor.

Vasta campina
De trigo cheia,
Quando na sesta
C’o vento ondeia,
Ao seu cabelo,
Quando flutua,
Não é igual.


Tem a cor negra,
Mas quanto val’!

 

Os astros, que andam
Na esfera pura,
Quando cintilam
Na noite escura,
Não são, humanos,
Tão lindos como
Seus olhos são;
Que ao Sol excedem
Na luz, que dão.

 

Às brancas faces,
Ah! não se atreve
Jasmim de Itália,
Nem inda a neve,
Quando a desata
O Sol brilhante
Com seu calor.


São neve, e causam
No peito ardor.

Na breve boca
Vejo enlaçadas
As finas per’las
Com as granadas;
A par dos beiços
Rubins da Índia
Têm preço vil.


Neles se agarram
Amores mil.

Se não lhe desse,
Compadecido,
Tanto socorro
O Deus Cupido;
Se não vivera
No peito seu;
Já morto estava
O bom Dirceu.

 

Vê quanto pode
Teu belo rosto;
E de gozá-lo
O vivo gosto!
Que, submergido
Em um tormento
Quase infernal,
Porqu’inda espero,
Resisto ao mal.

 

    LIRA XXVIII

    Detém-te, vil humano;
    Não espremas a cicuta
    Para fazer-me dano.


O sumo, que ela dá, é pouco forte;
    Procura outras bebidas,
    Que apressem mais a morte.

    Desce ao Reino profundo,
    Ajunta aí venenos,
    Que nunca visse o mundo:
Traze o negro licor, que têm nos dentes,
    Nos dentes denegridos
    As raivosas serpentes.

 

    Cachopo levantado,
    Que pôs a natureza
    Dentro no mar salgado,
Não se abala no meio da tormenta;
    Bem que uma onda, e outra onda
    Sobre ele em flor rebenta.

    Árvore, que na terra
    As robustas raízes,
    Buscando o centro, a ferra,
Não teme ao furacão mais violento,
    E menos, se se deixa
    Vergar do rijo vento.

 

    Sou tronco, e rocha, ó Bela,
    Que açoita o Sul, que brama,
    E o mar, que se encapela:
Não temas que do rosto a cor se mude;
    Vence as rochas, e os troncos
    A sólida Virtude.

 

    A maior desventura
    É sempre a que nos lança
    No horror da sepultura:
O covarde a morrer também caminha;
    Com que males não pode
    Uma alma como a minha?