Pintinha acima do olho
A beleza estava nos poucos raios de sol
que atravessavam a cortina
e encontravam seu corpo seminu,
meio embolado num edredom.
Em sua expressão serena
de alguém que dormia profundamente
e, provavelmente, se perdia
em seu mundo de sonhos.
Nos sinais que marcavam seu rosto,
Na pintinha que ele tem acima do olho.
Estava em seus cabelos desgrenhados,
agora totalmente livres de seu comprometimento em ajeitá-los.
Estava, ainda, no jeito que seu peito se movia,
em uma respiração calma,
própria de quem dorme.
A beleza estava em todo quadro,
pintado em minha mente
numa manhã meio fria.
A beleza estava nele,
no desejo de vê-lo acordar
com seu sorriso que me desajuíza,
do seu olhar que me olha a alma.
Do desejo de sentir seu beijo, seu toque.
De ouvir sua voz dizendo trivialidades.
Do jeito alongado de terminar as frases
ou da forma com que movimenta as mãos quando fala.
Às vezes eu me sinto perdido,
mas olhando aquela figura ali
eu me sentia encontrado.
Nesse quadro não se percebe
os momentos em que desnudei a alma,
em que entreguei meus pedaços,
esperando que ele os juntasse.
Assim o faço, mais uma vez.
Seu silêncio me fere.
Seus gestos me enganam,
ou talvez dizem exatamente o que eu acho que dizem,
mas não estou certo do que dizem.
Tangencias respostas e me perco em suas palavras.
Sorrisos, raiva, desespero, desejo.
Não tenho certeza se acontece no peito ou na mente, mas acontece.
Caminho no limiar da insanidade, vislumbrando, no horizonte, o quadro.
E a pintinha que ele tem acima do olho.