A lágrima
Sonhei com uma lágrima rolando pelo vidro,
percorrendo uma superfície lentamente,
deixando um rastro de sal e sentimento,
lembrava um balet com movimento invisível
contido naquela gota diminuta de emoção,
desenhando passos fora da gravidade,
construindo uma ponte transparente,
talvez entre o nada e o tudo sem exposição,
buscando um sentido sem linhas paralélas,
traçando um caminho sem mapa de chegada,
parecendo um átomo microscópico na janela,
descia sem pressa ou vontade, alheia ao tempo...
Sonhei com essa lágrima que nunca parava de cair,
me transformara em observador de um imobilismo,
tentava compreender aquela situação não-matemática,
aquele furo da física e da química, sem biologia,
sem equações, fórmulas ou registros lógicos,
procurava seu nascedouro sem alcançá-lo,
minha visão se estreitava sem conseguir explicar,
pensei viver um delírio de um sonâmbulo acordado,
a imaginação de um insano-insône numa noite fria,
a água doce na pétala de rosa visitada pelo beija-flor,
o entorpecente líquido sem contato com a veia,
mas nada aquietava meu espírito desconfiado,
espreitando fora do vidro para descobrir um por quê,
observando as pessoas caminharem apressadas pela rua...
Seguindo o trajeto com meu dedo indicador questionador:
seria um pássaro triste que se pusera à chorar na janela?
seria um fantasma materializando sua saudade contínua?
seria um espelho do meu próprio interior obscuro e triste?
seria uma pista para um enigma de ancestrais passados?
Nada parecia satisfazer minha curiosidade crescente,
permancendo a lágrima sem se importar com inquéritos,
até que outra veio e mais outra surgiu para a ela se juntar,
três, quatro, cinco e perdi as contas da invasão de gotas,
eram pingos de chuva invertida soprada pelo vento de inverno,
guarda-chuvas e capas se abriam na calçada molhada,
correria, táxis chamados, pessoas temerosas da tempestade,
enquanto eu sorria das minhas conjecturas sem nexo algum,
retornando para debaixo do edredom aquecido por minha amada...