CABEIRO
Um passo de longo caminho,
as pernas curtas cheias de espinho,
atravesso a madrugada
insone do tempo perdido.
Quando tantos estão na vanguarda
é difícil seguir sozinho
com minhas patas viradas,
minhas linhas vazias...
Aprendi muito vocábulo
para saber falar errado:
concomitantemente, escaninho,
deletério, tartamudo, poluto,
muitas eram as palavras tardias
que repetia papagueando.
Não à toa de seguidos avisos
as pessoas foram passando,
o mundo foi diminuindo,
o sonho eclipsando.
Você passou por mim
e me deixou os anos,
eu quis te seguir,
mas não tinha planos,
não tinha emprego, dinheiro,
não tinha sequer diploma,
não tinha um puto na conta,
estava cheio de razão inútil
de como fazer referência,
como ganhar no discurso,
como tecer um poema,
tudo pra não parecer burro.
Você passou por mim
e eu não tinha como
ir atrás de ti,
não podia frequentar restaurantes,
nem dividir uma cerveja,
nem pedir um Uber,
o que quer que seja
tudo estava contado,
tudo era besteira.
Você passou por mim
e aquela sensação
de vida inteira
deixou meu coração
de partida, desde o começo,
ali tive noção:
não existe amor sem dinheiro,
não tem paixão, é desespero,
é ilusão nem passageira,
desocupada, desorientada, vaga.
Não tenho mais como chegar em ti,
perdi meu tempo, não tenho estrada.
Eu te agradeço a precisão do relógio,
já vou tarde, quem sabe eu tenha sorte.