Despojado do encanto,

Pouco vejo,

Ou talvez pouco queira ver do futuro.

No limite de si há que se negar completamente,

E assim nascem as almas guerreiras,

Pois não temem a morte, apenas lutam,

Para dia exauridas clamarem apenas pela paz.

Num mito ontológico, onde o originário,

Acaba por se tornar o avesso de si.

Caminho pelas ruas solitárias de minha alma,

Já não habita em mim a arrogância que gera o desprezo,

Mas uma espécie de indiferença ante as utopias caídas,

Estes sonhos alados, estes ideais nunca atingíveis,

Que queimam em silêncio

na caverna cardíaca do espectro de meu espírito.

Não fujo, vivo a cada momento, mas cada vez mais distante.

Ser humano é ter que conviver com a sina da morte,

Eis que já não me assusta, antes desejo entendê-la.

E saiba quem pousa os olhos sobre estas letras,

Que tenho a noção da tamanha tolice de tal propósito.

Estou aqui, em tempo e espaço,

Mas é como se partes de mim estivem por aí,

Não sei se em busca de um encontro

Ou em uma constante fuga, e confesso;

Que isto ao final das contas bem pouco importa.

Amei a justiça de todo meu coração e não a encontrando,

A vi prostituída a vagar pelo mundo como que mendiga,

Espécie de pedinte que não encontra amparo,

Se fazendo representada

Numa figura arquejada de mãos estendidas.

Ah, este passar do tempo, que leva os dias que tenho...

No desbravar de minha razão,

No desvendar de meus sentimentos,

Encontro sabor em meus delírios mais inviáveis

E eu, em meu realismo diário,

Reconheço a imensa porção de nada que existe no todo.

Vejo um campo por onde caminho sem ver meus passos,

Eis que parece ser um trigal,

Algo que eu próprio desconheço,

Mas que ecos da alma dizem assim ser.

Quem sou eu em meio aos tantos outros,

E quem são estes tantos outros

Que vejo caminharem numa estrada paralela,

Em que hora eu insisto e dividir o caminho,

Para depois me abrigar numa estranha distância.

Que de tão esquisita parece me entender

E me convidar para deixar tudo e ir embora.

Mas ir embora para onde?

Não aprecio a fuga, antes me chama o combate,

Mas eis que os combates parecem a nada chegarem.

Eis que então luto pelo exercício de lutar,

De algum modo em algum momento

Me enebriei pelo encanto das batalhas.

E hoje sendo mais passado do que futuro,

Me questiono do meu próprio sentido e propósito.

Tentando encontrar uma razão para ser,

Descubro que o perdido parece ser mais feliz,

O ignorante é alegre ou triste,

E a mim que visita um fragmento de saber,

Sinto que me incomoda a alegria e a tristeza,

Antes me atenho a névoa da melancolia.

E me sinto livre a ver um caminho com hortênsias azuis,

Toda minha agressividade se pacifica ante a esta sutil beleza.

Mas tudo parece ser efêmero demais para se ter satisfação.

E então me vejo acolhido por musa inefável, me aquieto,

Me calo, ela me conhece e eu a conheço,

Não sei de onde, e ela apenas flui em torno de mim,

E eu temo perdê-la, e sei que quanto maior minha dor,

Mas intensa será minha vontade de não ser,

Mas isto não me cabe,

Somos todos reféns de destinos,

São inócuas nossas mais intensas rebeliões.

E não se tente ver nisto uma verdade,

Pois nem mesmo eu creio nisto,

Mas eis que as palavras são sussurradas aos meus ouvidos,

E eu apenas sou leal aos significados que expressam,

E sabendo de algo, sei o quanto que nada sei.

E vejo o quão distante se faz a paz,

Ainda que por vezes beba na nascente de onde parece minar,

Onde ela brinca como que ninfa a encantar esta velha alma.

Então, que assim seja,

Que toda uma vida seja a busca deste encontro,

Que não acharei, mas que sei que me encontrará.

 

30/04/2023

Gilberto Brandão Marcon

Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 28/05/2023
Código do texto: T7799735
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