Sobejos de uma pérola
Dos teus sobejos florescem o desejo.
Entre as ruínas do pensamento absorto
germinam uma nascente surreal,
onde vejo línfa clara, tão diáfana
que a olhos nus dou-me diante uma sereia
que me conduz com um cântico desigual
tornando-me vítima pelo próprio querer,
assemelhada à fronte de assombro,
vitima libidinosa percebendo a recompensa maior,
a de afogar-se nas entranhas do ser mitológico,
que sem licença deu por oferenda a visão
e o licor embriagado do prazer...
Dos teus restos enriquece a penúria.
Entre as ruínas do subúrbio e pensamento do cais
brotam os musgos e algo mais;
neles restam a esperança vadia
e os deslizes literais que fizeram meu corpo
encontra o solo
diante desse sol que irradia esse mundo,
tão mesquinho, mas tão aguerrido,
pretencioso por superar as barreiras cotidianas
(que ultimamente perde até mesmo as balzaquianas)
e chora imperceptível na multidão,
sobrevivendo sobre andaimes corroídos pela indiferença;
dos momentos que passam,
vã é a fé de que predispõe o meu viver,
dentro deles sobrevivem apenas o tédio...
Dos teus sobejos renascem o jardim.
Entre os caminhos psíquicos da vida
eu viajo entre as léguas sem trégua.
faço criar as fantasias um dia desprezadas,
e eram simples coisas
que noutros tempos abandonaria sem hesitar,
entretanto quero tanto
aquilo que por demais desejo,
e faço de todo e qualquer sorriso teu
um convite à luz de velas
com os requintes de outrora se movimentando
na lentidão do meu anseio nostálgico,
que acorda no meio da noite e põe-se a gemer
no jardim perfumado de ladrilho congelado...
Dos teus restos enriquece toda alma.
Entre a enfermidade convalescida
encontro a vontade apetecida
pronta para velejar no mar revolto
sem nunca desistir;
guarneço-me então com qualquer vestígio teu,
tuas migalhas são alimentos revigorantes
desse meu cansado físico nômade,
que entre mares de desertos procura o que lhe falta;
no corpo ansioso por afeto,
descubro várias faces carentes do teu signo,
descobri o enamorado pela sereia,
o aleijado sobre rodas,
o intelecto arrogado e outras
que sei certamente encontrar na clausura
desse casto corpo sedento por desvendar
a única face que o satisfaça...
Dos teus sobejos ressuscita o orgasmo.
entre as estações visitadas
um pouco dele deixei;
caixeiro viajante que sou,
não abstive um só instante
do amor rameiro que ampara a caminhada de todos
que não acham o objeto do desejo
(e o teu corpo não achou também)
Caminhando à procura do teu corpo,
sinto-me enclausurado,
envolto numa teia maldita
tecendo lentamente o destino que bem conheço;
andarilho para todo o sempre,
sem presentear o meu tosco ego,
dou-me prostrado no chão segurando firmemente
suas vestes íntimas...
Dos teus restos eu uno aos meus.
Entre o nirvana e o limbo prefiro morar
no céu do teu corpo;
limite do desconhecido,
onde enxergo turvamente
no final do meu jardim,
(que sempre esteve em ti)
uma criatura de luz
convidando-me com ares dantes nunca vistos.
Sem hesitar caminho na direção da outra face
até então nunca presenciada,
e defronte do meu corpo gélidas mãos tocam
meu cálido espírito,
guiando para o delírio
os poros que compõem, todo universo,
e aos poucos, o contraste vai formando a harmonia
entre duas ágapes;
lentamente tornar-se-ão dentro desse casulo
a miscigenação de todas as faces
que criamos juntos;
sobretudo ainda pergunto:
"eras tu, anjo efêmero,
oculto dentre os mortais?"