Olhos do Coração
Algo novo invadia o coração, e este antes posseiro de si
Tombava. Primavera em meio ao inverno.
E o suave calor espantou o frio. O que era cinza de angústia
Fez-se de cinza pacífico,
como se o branco estivesse a dominar o preto
Na composição da cor. E os tons do dia recriaram os tons do ser.
Como que recriado por você revivi o que já supunha esquecido.
Burilei em letras, a escultura oculta de sua imagem eu desvendei.
E depois, com pressa, logo quis lhe ocultar apenas para mim.
Guardá-la do mundo, e tentar ser o seu mundo,
como se fosse possível.
E o coração já não queria mais a solidão,
e já batia em nova cadência.
Já o silêncio, que duvidava existir, se enchia de musicalidade.
E a primavera invadiu o inverno, recriou flores e frutos,
As flores nutriram o olfato que já sentia saudade do seu perfume.
Os frutos nutriram os sabores de sua epiderme.
E guardados em nós, nos ocultamos de todos.
Vestidos de personagens, com a ilusão fecundando a realidade,
Caminhamos juntos, com passos que, ainda que diferentes,
Tinham lá um certo arranjo, uma despropositada harmonia.
Mas, enfim, já andávamos; já éramos um, em sendo dois;
A compor, da dualidade, uma unidade diferenciada.
A guardar-se em enigma,
tendo por chave o brilho dos seus olhos.
Gilberto Brandão Marcon
29/05/2004
(Fragmento Texto: Tintas da Paixão)