Eflúvia
Entre os cinco sentidos o olfato é o mais cruel,
e a comparsa da memória vai junto evocando o fel.
A linguagem, traiçoeira, me impede de chamar isso de cheiro
já que cheiro demanda presença, e de ti não sou mais hospedeiro.
Aquém da presença há a aura: que tange o corpo, mas não o toca.
Da imagem, a lembrança, inversamente proporcional à velocidade da luz.
Do do sabor, o insonso, uma cavidade; uma boca.
Depois da voz, o silencio o vazio e a cruz.
Como nos atrevemos, pois, a chamar de sentidos aquilo que sem objeto não sente?
Potência sem estímulo é o não-sentimento, é assentir.
E aquele que clama a literatura como musa, mente.
Destino de potencial interrompido: é ruir; e à nós covardes: fugir.
O inferno está cheio de conselheiros porque só quem passeou com Virgílio tem local de fala,
e aqui gritam como amantes tentando salvar suas almas amadas:
Conheçam cada curva, abracem cada torço!
Vejam cada olhar e olhem cada esforço!
Provem de toda pele e mucosa, saboreiem cada beijo!
Ouçam cada palavra, mesmo as de acoleijo!
Pensava eu que alheio daquele, daquilo; de tu
receberia o sozinho, mas ganhei um fantasma;
para o qual não há caixão, cova ou baú,
e basta agora rezar, irmão, para que tua eflúvia não vire miasma.