Poema de Despedida

O amor não é sentimento. É caminho e jornada. E nessa trilha intensa e tortuosa, cujo última parada nunca foi tão distante do que se queria como ponto de chegada, o que posso dizer é que acima de tudo eu aprendi.

A ver. Não uma simples silhueta, cuja beleza faz desaparecer tudo ao redor. Te vi para além desses olhos escuros, ali onde os pensamentos mais inquietantes e revoltos, tal qual maré em dia de ressaca, fazem morada e espreita. Nesse espaço obscuro, que num lapso inesperado trazia luz e surpresa, a esperança e o renascer.

A enxergar. Não aquilo que os olhos alcançam, mesmo nos dias em que nos fitamos longamente. Mas enxerguei você em sua alma, em tudo que quis e não quis revelar, e em tudo que se orgulha e não de emanar.

A sentir. Não o que apenas os toques e beijos, sempre intensos e carinhosos, podem permitir. Te senti em cada pulsar do seu coração, nos dias de choro e baião, de melancolia e metal pesado, de angústia e samba. E te amei, mais a mais, em cada um desses ritmos e dias, mesmo naqueles em que pulsa muito pouco de bom.

A enxugar. As lágrimas mais belas e profundas, as mais sofridas e ansiosas, as mais depressivas e eufóricas. Enxuguei, com tristeza quando eu algumas causei. Com imensa alegria quando pude ser o melhor abraço e acolhimento nos dias em que tudo lhe parecia ser apenas fim e desesperança.

A ouvir. Não só o que diz a boca, limitada pelo que o vocabulário nem sempre permite expressar. Ouvi, por trás de cada sorriso, o que tu sonhavas e realizava, o que aprazia e apaziguava. E por trás de cada ofensa ou palavra amarga, em notas que destoam do que és em suas profundezas, pude escutar que tudo não passava de sua imensa doçura, sufocada, desde muito cedo, e de variadas formas.

A respirar. A brisa que soprava desde cada dança engraçada, de cada vez que o mover da cabeça balançava seus cabelos, de cada vez que seu corpo tentava fugir de seus tormentos. Te respirei, e daí nutri cada suspiro apaixonado que já viu. E aspirei, tentando que suas dores afogassem em mim.

A falar. Um dialeto somente nosso, que se enriquecia a cada dia, e que muitas vezes expressava uma epopeia apenas com o silêncio amigo. E te falei. O que podia e não podia. O que te machucou e trouxe alegria. Falei o que muitas vezes pedia a razão, outras o coração, e várias a confusão de uma mente ansiosa. E gritei, ao quatro cantos e a plenos pulmões, que esse era o maior amor que eu sentia. Já falei, sim, o que ofendia. E já berrei, pelos prantos e com agonia, que seu silêncio ecoava em meu dia. Suas palavras eram a minha moradia. E o seu sorriso, o meu melhor guia.

A chorar. Sem medo e julgamentos. Pelas minhas dores e pelas suas. Pelos meus medos e pelos seus. Por suas vitórias e superações, suas conquistas e emoções. Por seus tropeços e percalços. E te chorei, quase todos os dias. Lágrimas finas e malditas, que de tanta dor molham o rosto e secam a alma. Mas te chorei, também, as lágrimas espessas e benditas, dos sentimentos, intimidade e conexão, tão raros, que mesmo derramando-se ao chão hidrataram o coração.

A andar. Sem rumo e apressado, lento e em desatino. Te andei sem saber destino, mas as mãos dadas sempre ditaram o passo. Foram muitos os descompassos, mas quando tudo esgarçava, os dedos sempre estiveram em

laço. Ora mais firmes, outras mais frouxos, mas nunca se soltaram totalmente.

A perceber. Que nem sempre, o melhor possível, é o mais plausível. Que as dores do mundo, abalam o que parece inatingível. E te percebi. Em suas dores e vontades, em suas necessidade e extremos, em seus desgastes e renovações. Te percebi, talvez tarde demais, ou da forma errada. Mas saiba que tudo vai passar; é só um passo em sua extensa jornada.

A amar. Não a história contada. Mas a que marca cada segundo quieto e inquietante do dia. Não o conto de fadas, em que tudo finda no primeiro beijo e indica felicidade plena. Te amei. Profunda, sincera e verdadeiramente. Em todas as suas virtudes e defeitos. Em toda sua potência e seus limites. Em tudo que você é, foi e virá a ser. Te amo, por causa e a despeito de tudo, quando me foi o mundo e também o absurdo. Amo-te mesmo neste fim extenso e severo, mesmo que acorde sempre com angústia dilacerante, mesmo que tudo pareça desesperança, doravante. Amo-te porque, sendo o amor caminho, cedo ou tarde há parada. E ainda que tudo pereça tenro demais para a grande despedida, deixo contigo a maior prova de amor em vida: te deixar ir e aplaudir, com gratidão, a sua partida.

Thiago Mandarino
Enviado por Thiago Mandarino em 11/12/2022
Reeditado em 11/12/2022
Código do texto: T7669803
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