Seu pincel desenha rabiscos em minha tela de ouro.
É nela que apaziguas suas ânsias de pincelar.
Amainas seu (dis)sabor e misturas
em tua pintura as lembranças da infância
com as figuras do teu amor
que lá é rio de cachoerias
brumosas e coloridas
que nunca vão renascer.
Histórias de solidão dos sós.
Os sós também amam.
E serenam suas paixões
no maino sol que entardece
seus raios em meu reino
num encontro fúlgido
de dois contrários da vez,
um avante entre
o passado que é você
e o futuro que sou eu.
Um levante assombroso
e intempestuoso
que nos queda ao silêncio
da contemplação e espanto.
É uma história sem início e sem fim,
um iluminar o pincel de líquens
e um doar vida à concha
que rolou as águas
do lago sobre a tela.
E a morte chega de mansinho
no teclar de um piano
que se ergue jerivá
em busca de uma nuvem
de chuva fresca
que lhe amaine a dor
de duas vidas
que nunca fazem a morte,
mas renascem dentro dela.
É quando o início da dor
se derrama na mecha afogueada
do grito abafado nos suspiros
e profundo respirar,
no estremecer da terra
e tremular das estrelas.
És, sou, somos...
a ânsia dos desesperados,
apaziguados pelo amar.
E a tela machada
de tinta
aguarda um novo
pincelar...