Roupas de Passar

Se sou duas e nelas me entrelaço

com ternura de flor e flor de ternura

o mundo do próximo

é meu e não fica distante...

 

É vindo do próximo que sou próximo,

o próprio que vem e se acolhe

na mesma reza cantada pelos monges

das catedrais de nosso amor.

 

Ser roupa de passar na festa dos vivos

é voltar para a vida a cada distância próxima.

 

Não chore agora.

Não não chore agora...

seja quem volta

para o mesmo lugar,

que volta à vida... 

não, não chore agora...

 

Não meço a distância do tempo,

nem o espaço onde estão

minhas coisas sem nome.

 

Se nome não tenho

é porque posso ser qualquer um

e quero ser eu, decidi ser eu, com você.

 

Sem você minha vida não tem sentido.

E sei disso desde criancinha,

desde garotinha quando ia nas procissões

com ramos verdes e clamava pra ser amada.

Só queria me encontrar

porque me sabia vazia de um pedaço.

Chorava de ramos na mão

e velas acesas sobre a prateleira da vida.

 

Hoje somos um -

nos encontramos no pórtico da vida -

e não há mais sobras e vidas a cortar.

 

Ei, olha só:

você e eu somos nós.

E agora...

eu sei que o meu cansaço

faz parte da tua história.

 

Estou em tua voz,

sou eu

quando sou você

e sou você

quando sou eu.

 

Tudo misturado no largo do tempo...

que nasceu e se estendeu

por tantas horas

que quase

nos perdemos e morremos.

 

Eu mesma já morri e voltei.

Mas perdemos muitos no caminho,

muitos tombaram ao largo do tempo,

muitos morreram e levaram um pouco de nós.

 

Somos passageiros do tempo,

pedalamos nossos dias na efemeridade das horas,

somos roupa de passar e hoje,

acordamos na suavidade deste amanhecer

que ainda dele não sabemos,

mas que nos traz uma nova vida,

o renascer no canto de aves e luzes

que se erguem na conquista dos céus.

 

Se teu medo é conhecido e ardente

o meu também é, posto que somos um.

O que te toca, me toca,

o que te amedronta, me amedronta

e meu medo é perder

o ardor de tua vida

e ser levada pelo largo tempo

antes de descobrir -

e faço um pedido ao céus

que essa descoberta aconteça,

pelo menos uma vez,

nem que seja uma única vez -

do porque o sol tem receio

de estrelas muito puras e candentes.