Na concórdia ou desavença
(I)
Na concórdia ou desavença
Não ensejo o alvor suave,
Nem emoção, leve ou grave,
Me praz, se vou morto em crença,
Tampouco sei o que espero
Na sombra da abismal cave,
Apenas sei, se pondero,
Que enquanto vou merencório
O mal me anseia em mortório.
(II)
Estou perdido em querença
Como na forte aura a nave
Na tormenta vil e grave,
Mas é tal a indiferença
Que velo o olhar e tolero
Até que a Lua me agrave
O pesar que me é austero;
Que enquanto vou merencório
O mal me anseia em mortório.
(III)
Por vossa culpa a sofrença
Me faz cativo de enclave
Donde sofro em pena grave,
Que em razão da grã ofensa
Tendes a feição de Nero
Com sorriso tão suave
Que esconde o interior fero;
Que enquanto vou merencório
O mal me anseia em mortório.
(IV)
Se me voltasse a sabença,
Meu zelo veria a agave,
Doce e rara, mas de encrave,
E minha alma, que é propensa
Por vós em langor austero,
Encontrar-se-ia suave
E longe da mercê zero;
Que enquanto vou merencório
O mal me anseia em mortório.
(V)
Tampouco guardei valença
Daquilo que não há chave,
Artíficio que destrave
As torres da benquerença,
Vosso caráter severo,
Sustentado em arquitrave,
É viso que mal me onero;
Que enquanto vou merencório
O mal me anseia em mortório.