Quando vejo seco o amento
(I)
Quando vejo seco o amento
Onde avança e volta o vento
Pelos cedros, ramos primos,
Resseca par longe ensejo,
Além o negrume e o limo,
Donde aura leva o desejo
Que me senhoreia o siso.
(II)
Muito me afetais co'o riso
Que arruína o chão que piso
Se tão amorosa sois
Com libertino amigado
Donde declino por dois
Em malfeito error dobrado
Igual Tristão e o veneno.
(III)
Mas se guardo viso ameno
É dobrado o amor sereno
Que adiante seria em três
Pelos encantos parelhos
Se me désseis, uma vez,
Os vossos lábios vermelhos,
Mas longe de mim tal ansa!
(IV)
E à maneira da criança
Que em costume não se amansa,
Semelhante eu fantasio
Nos doces brincos e versos,
Folha e flor, inverno e estio
Que se houvesse mundo inverso
Cordato ao Orfeu faria.
(V)
E, egéria, prazer seria
Se vosso amante sem via
Tivesse um pouco meu jeito,
Que em moral e retitude
Cá teríeis melhor preito
E laureada em mor virtude
Seríeis de véu na igreja.
(VI)
E à guisa da ave narceja,
Que devora o que sobeja,
Espreito acordante ao flume,
Romanesco par de trova
No meu langor de ciúme
Que me vou jacente em cova
Aberta, donde Orfeu jaz.
(Tornada I)
Sou aquele que é capaz
De cobla de amor tenaz;
Sei metro, sei escansão,
E sei cantos e valença.
(Tornada II)
Sei selagem e canção
E faço zelo e mantença;
E alhures me vale o dom.