Nos versos que vou compor
(I)
Nos versos que vou compor,
Com o ardil que me foi nato,
Posso facilmente expor
Em letras o que é abstrato:
Minha ira, paixão e amor
E qualquer saber sensato.
(II)
Homem preso pelo amor
Não se enxerga maltratado,
Até a ansa que ele for
Pelo mesmo abandonado.
Digo, mas não por furor,
Pois lá me mantenho atado.
(III)
E sou gente de temor,
Que àquela, em senhal exato,
Não ouso falar e expor
O que pode ser boato
De falsídia e impudor,
E, antes, prefiro o maltrato.
(IV)
Se eu tivesse bom visor
Contra esse lugar velado
Ou fosse eu um tradutor
De idioma absorto e finado,
Não me entenderia o autor
De como me fez airado.
(V)
Mas me infunde tal langor
Que tolero e não combato
Golpes de amorosa dor,
Que por tolice me mato
Baldo em meu desejo mor
Co'a paciência dum beato.
(VI)
Onde assenhoreia o amor
É lugar doce e privado
Que se aflito pela dor
Abriga sabor malvado
De decepção e rancor,
Rancor que quero livrado.
(Tornada)
Homem de versos abstratos,
Perdido em desejo e error,
Minhas paixões e meus atos.