UM SONHO PARA MARLLA

É na estremadura da utopia com o real,

onde se consuma a tentação da água

e a insânia se imiscua com o umbral

que cruzei a distância que nos separa.

A flama lágrima espadana

onde despe-se o escudo

e se desmancha na cama

deusa, homem, tudo.

Congênere a ligação do parto

o escuro sucedido pelo orto,

eis-te deitada ao meu lado

sossegada em sono absorto.

Emoldei a mão pelo teu rosto

de brandura fina turva chuva,

deslizei a tremura do teu corpo

no chuvisco de cada curva.

Abriste os olhos de dia claro

suspirando um raio de riso,

a terra escarlate nos lábios

disfarçando sutil improviso.

Te beijei tão certo da miragem

que um sabor polifônico de açaí

compôs notas de felicidade

quando tua boca veio me tingir.

Teu cabelo negra fibra

tremeluzia noite oculta

em cuja terna fina mantilha

o beijo mira e se aprofunda.

A força óscula que orbita

nos faz satélites em rotação,

onde um termina outro inicia

desencontros em colisão.

Vejo rubras rosas góticas,

tuas flores sem espinho,

na tua pele, sobrepostas,

no que te dispo em carinho.

Sem palavras, silenciosos suspiros,

sem prefácios, livros à vista,

sem vozes, afogados estrídulos,

sem desfechos, pontos em seguida.

Lançado ao paraíso das pernas,

dos seios, dos meios, dos fins,

das coxas, das costas, das setas,

do busto, do umbigo, dos quadris.

Na make, na arte, no ensaio,

no filme, no filtro, na foto,

na peça, no ato, no teatro,

no sebo, na praça, no copo.

Línguagens poderosas de milagres,

miragens abstratamente exatas,

gramaticagens silenciosas de frases,

metragens assiduamente atrasadas

que compunham as obras de artes,

os clássicos da crítica literata,

as pinturas dos grandes baluartes,

os frames da obra prima do cineasta.

Vi culturas apagadas se rescrevendo,

ouvi fones insonoros no ouvido,

escrevi poemas com ouro fervendo,

bebi do cálice onde flui teu vinho.

Jamais tive um sonho tão vívido

que teu perfume estava em meu suor,

os teus lábios habitavam meu suspiro

e nada, antes ou depois, foi tão pior

que aferir meu mundo ambíguo

onde nunca suspeitarás meu sonho,

onde continuaremos cordiais amigos

e se perderá o lugar de onde somos!

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 06/09/2022
Reeditado em 12/09/2022
Código do texto: T7600005
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