Mel e Fel

O vento espalhou sementes a espera que alguma brotasse.

Mas o sol, cheio de curiosidade, perguntou:

_ Aonde espera que caiam?

_ Ao acaso, respondeu o sapiente vento.

Secas,

Amargas,

Inativas,

Caíram num coração de pedra,

Quase agreste,

Árido demais para amar.

Vi meus sonhos ruírem de repente,

Castelos de gelo,

Fracassos ensopados,

Desejos que escorregam dos dedos;

Vi a morte que me abraça lentamente,

E anjos que pedem pra eu ficar.

Rasguei meu corpo,

Abri o peito

Numa chaga para minh’alma voar.

Mas no abismo,

Poço sem estrelas,

Lúgrume mundo,

Sem meu norte,

Sem o eco da tua alma

Só tateei solidão e morte.

E na carne ferida

Busquei lascas,

Turvas esperanças,

Migalhas de carinho teu.

Entre espinhos,

Lanças trocadas,

Teu desprezo,

Meu lamento,

Flechas perfurantes de almas

Que fazem labirintos,

Carrosséis doentes,

Entorpecentes,

Lágrimas de loucura e dor,

A agonia em forma de flor,

Promessas quebradas,

Rasgadas

Que ouvimos de amor.

E a luz que um dia

Abriu-me em fendas

Desatando meus nós,

Deixou-me a deriva

Entre destroços de amor e vida.

O ser que reinventou meu sol,

Entrelaçou estrelas para nos amarmos,

Esqueceu que depois do dia

Viça à noite, negra e vazia

Que torna meu sol um breu,

Mar de dor,

Pranto de um eterno amor.

Esqueceu que até mesmo no meio da vida,

Quando enxergamos o horizonte e as estrelas,

O feito e o efeito,

Que amargamos um bocado de fel,

Há flores que ferem

E também perfumam,

Que envenenam

E também adoçam,

Que matam

E também enfeitam.

Desafiam a rocha e o céu,

E que entre arestas e pétalas,

Mel e fel,

Há sempre uma espécie de nirvana

Fazendo renascer do nada

A ave húmil,

Porém púrpura e dourada

Que germina das cinzas

Trazendo o néctar que sustenta a frágil flor

Que desabrochou na pedra,

O mel do amor.

20/07/05