As memórias de criança
(I)
As memórias de criança,
De quando eu tinha alegria,
Dão-me triste nostalgia
Donde guardo uma esperança,
De amar o que tinha amado,
Na mais aguda confiança,
Em minha doce lembrança
De viver em gaio estado.
(II)
Mas sei que estarei finado
Se eu reviver a lembrança
De quando vos vi em ansa
Ao lado de atroz malvado
Que de uma tola confiança
Passei à arguta agonia,
Como alva flor na atonia
Se agarrada na pujança.
(III)
E minha alma não se amansa
Nem com a bela cantoria
Do pássaro na alegria,
Quando no ramo remansa,
Porque jazo atormentado
Pela triste relembrança
Que uma tola semelhança
Eu lembro, se sou visado.
(IV)
Triste e à guisa de finado,
Caminho vão na esperança,
Lembro de minha criança,
Quando eu não era encantado,
E eu acho, pela confiança,
Que muito mais gaio seria
Se eu me ausentasse no dia
E escapasse da vil ansa.
(V)
Como a rendeira se amansa
E é posta em melancolia,
Se lá atacada à aura fria,
Ai! Tão pouca aventurança
Tem me feito preocupado
E tão baixa segurança
Ceifou minha esperança
Que do amor fui exilado.
(Tornada)
Como Bernart foi fadado
E perdeu sua bonança,
Numa verosimilhança
Permaneço preocupado.