EU ERA INVISÍVEL
Distraído, protetor solar, óculos escuros
Seu vulto atravessou meu campo de visão
Tragicômico efeito!
Dos seus pés ao boné, frio polar...
Andar ereto e reto, mirando o infinito
Ainda assim você me queimou
Seios e pernas eram sim, fogo e brasa
Sapecou tudo: cérebro, pélvis e íris
Revolucionou as veias cardíacas
Seu caminhar assolava as retinas
As primeiras sofredoras desse impacto visual
Eu? Abominável homem das neves...
Fui degelando do centro às bordas
Com o passar dos segundos
Transmutei-me de quieto a inquieto
Vagarosamente, cuidadosamente
Depois... sofregamente!
Menos os lábios
Estes pousavam inertes, magnetizados
As pernas já balançavam nervosas
Pedalavam máquina de costura imaginária
O nariz levantava-se ao ar
Buscando um buquê desprendido
Só encontrava maresia e hidratantes...
Tentava verbalizar aquele momento
Mas sua presença era maior que a visão
Envolvia e aniquilava qualquer idéia
Era pura quimera valsando na areia...
Um monótono som de sino badalava
Nem sei se fora ou dentro de mim
Enquanto sua canga verde tremulava
Veio-me que morreria por esta bandeira
Queria falar, gritar, esmurrá-la
Chamá-la, amá-la, possuí-la
Levá-la para casa, mesmo que amarrada...
Aquele momento trouxe-me uma verdade
Inexorável verdade: Eu era invisível
Não existia de forma alguma
Nem para mim, nem para ela
Ri-me e quase chorei e depois... gargalhei!
Risadas gostosas de boca trêmula
Sussurrei palavrões velhacos
Grunhidos sacanas e cafajestes
Coisa de gente baixa, vil, honesta...
Acendi um cigarro, verti o chá gelado
Ajeitei a esteira e como não tinha chicote
Passei a flagelar minhas costas com o sol mesmo...
Enquanto cozinhava sob as nuvens, pensava:
Porque esperamos passivamente a morte?