Ser Aquarela

Desde cedo a vida torna-se preto e branco para quem nasce destoando da tradicional paleta de cores

imposta a todos por quem julga-se no direito de definir

por quais nuances o rubor de um coração deve pulsar

Só, observando a todos pelas frestas empoeiradas, eu já sabia que havia vindo ao mundo com o peito iridescente

carregando o enorme fardo numa sociedade limitada

que era amar todas as cores

Em segredo, uma explosão de tons proibidos luziam em minha mente

contrastando com o silêncio gris das outras tantas pessoas coloridas da cidade

também fadadas à escuridão taciturna dos armários

Por vezes, tentei transmutar-me, regulei minha gradação,

simulei ser como me pintavam e acabei tornando-me

disforme e sem tonalidade,

expressa em inexata furta-cor

Chorava entre a dicotomia, como poderia ser preto ou branco

se em meu âmago possuía uma vibrante gama de cores traduzida em aquarela?

Rendendo-me aos gostos alheios, por anos, tornei-me a cor mais ausente nas paisagens do meu mundo, que aos

poucos, tornara-se inexistente

Ao redor, arco-íris apagados davam espaço ao céu cinza-nublado,

e a cada estalar de beijos, gritos tempestuosos vociferavam, enquanto tantas outras tonalidades eram diariamente

silenciadas para a eternidade apenas por estarem amando fora do tom ordenado

Em meio a sórdidas guerras, cruéis injustiças sociais e rotineira criminalidade

vistas de forma superficial e translúcida

todos os esforços estavam focados em nós que estávamos apenas nos misturando a outra cor

Mas no fim, o preconceito sempre será incolor, mas amar é soberano, é aquarela!

Pois todas as pessoas são cores de diversas matizes, mas só o amor é a arte criadora de obras nas molduras que são a vida,

misturar-se é a única ordem imperativa!