DESPEDIDA
Fique um pouco mais aqui
ao meu lado
pois sei que tenho pouco tempo
para jogar conversa pelas janelas primaveras
outonais que se abrem nesse inverno de nós dois
que não sei se teremos verões varando noites sem fim
fique só um pouquinho mais
que tenho na manga no bolso nos dedos palavras
secretas para te revelar
assim, bem perto de mim
olhos atentos ouvidos aguçados
pele roçando mão na mão
mas escuta que tenho dedos de piano
e sons de violinos pianos e flautas
e melodias de borboletas
para ensaiar essa declaraçãp
antes que o dia termine
antes que germine a mariposa na larva das horas
fique aqui ao meu lado enquanto vou
desfolhando esse rosário
de contas de pérolas em gotas
em delicado conta-gotas das horas
que estou contigo
tecendo lembranças
e forjando o que será que será de nós dois
depois de tudo isso antes de tudo antes bem antes e depois
espere fique mais um pouco
o tempo é fumaça esvaindo-se espiralando-se
no hálito quente de tudo o que ainda não somos
vem comigo para dentro dessa moldura
para fora bem para fora desse retrato quadrado
fique aqui
espreguiçando-se nas telas aquarelas
que pintam por dentro o cenário adequado
na cor mais pura do vinho do bem-querer
destilado em tonéis de horizontes
que colhi para você
em alto mar nos mares do sul do norte e
em todos os bares
onde bebi teus beijos em línguas estrangeiras
intraduzíveis
como teu corpo dourando-se de luar
quando faz amor comigo
subindo e descendo o champanhe
pelo teu umbigo
botão de rosa perfumada
escada onde vou subindo
escalando tuas montanhas sagradas
empinadas e arfantes
como vulcões em erupção
que me lavam na lava que me leva
que me leva ao paraíso
tá vendo só?
sempre a vale a pena
espichar as ternuras em quilômetros de peles
e de desejos pelos caminhos da inocência quase perdida
encontrada apenas no silêncio das lágrimas
que nos fazem assim anjos da lira das horas
fugidas de tudo o que machuca sem doer
lá por dentro
como o verme da loucura que sinto por ti
me comendo
corroendo correndo nas veias
latejante como doença benigna
digna de uma rainha-princesa
perdida nas lendas do nunca mais
ah fique mais um pouco
que muito me enlouqueço
nos teus braços entre algodões e sedas
adormeço de enlevo
e teço e lanço redes e armadilhas
para driblar a despedida
que arde nos teus olhos
desde a última vez que ti vi pressinto
eu te peço apenas uma vez mais
fica aqui ao meu lado
e depois bem depois poderás
seguir o rumo astrolábio sextante bússola
e o que mais indicar as cartas de navegação a esmo
como eu mesmo já não sei mais
por isso te peço
apenas fique um pouquinho mais ao meu lado
um breve instante
o tempo de ouvir o murmúrio
talvez o lamento distante de uma hora ausente dos calendários
quem sabe o tempo de ouvir o nascer das verbenas delicadas
espreguiçando-se lentamente,
como o bailado dos teus cabelos ao vento...