SE EU ME ESQUECER DE TI
REPUBLICAÇÃO
Se eu me esquecer de ti
que fazer do olhar
diante da paineira sempre
na praça junto da janela
da paineira
a quem dei teu nome
para quem escrevi um livro
a louvar suas flores do outono
as flores do outono
que em um abril longínquo
começaste a escrever para mim.
Se eu me esquecer de ti
que fazer dos crepúsculos
há eternidades
me trazendo à presença
o teu vulto
com os sonhos que eram só nossos
até que o mundo o soubesse
e os pusesse a sangrar
aos nossos sonhos
mortos
que não conseguem morrer
(ao menos em mim).
Se eu me esquecer de ti
que fazer dos fados
dos tangos
dos boleros
de certas modinhas
de certas valsas
de certas canções
de certos sambas
de certos violinos
de certas flautas
de certos violões
de certas guitarras
de tempos tantos de músicas
que me circulam no sangue
com a raiz do teu nome.
Se eu me esquecer de ti
que fazer das madrugadas
em que te enviava
do meu canto solitário
as palavras
os silêncios
que colhias
como se fossem flores
e oceanos
e aldeias de quintas perdidas.
Se eu me esquecer de ti
que fazer dos filmes
que contam
pedaços da nossa história
desta nossa história
sem claros começos
sem claro centro
só de epílogos sem fim.
Se eu me esquecer de ti
que fazer do canto dos pássaros
lá fora
e do pássaro que canta
ainda, assim melancolicamente,
dentro de mim
Se eu me esquecer de ti
que fazer da estrela d’alva
e da estrela d’alma
e das manhãs de sol
e das manhãs de chuva
e das lágrimas
e do vento
e do relógio
que nos escondia do mundo
Se eu me esquecer de ti
como olhar os quadros
que lembram teus traços
tuas cores
tuas sombras
tua exaustão das formas
dos silêncios
tuas desistências e fugas
para os campos imaginários.
Se eu me esquecer de ti
como esquecer dos livros nas estantes
dos poemas
das prosas
dos delírios
dos soluços
dos pavores
dos ciúmes
dos quase assassinatos por amor
dos renascimentos por amor.
Se eu me esquecer de ti
como voltar a ler
os teus poemas de amor.
Se eu me esquecer de ti
como voltar a ler
os meus poemas de amor.
Se eu me esquecer de ti
só viver a prantear
meus futuros natimortos
poemas de amor.
Se eu me esquecer de ti
me diz me diz
o que faço
para não perder
a presença de mim
para não perder
a lembrança da presença de mim...