Inexistente

A conclusão havia chegado um pouco mais cedo e de forma inesperada.

Tinha um corpo, consciência e voz. E mesmo com esses elementos altamente sugestivos de um alguém, não existia.

 Não sabia se viveu o suficiente da sua experiência humana e natural.

Entre o agir fisiológico e o sentir psicológico repousava a alma.

O que quer dizer é que não é mais sequer dono de si, antes de si muitos homens e mulheres manusearam esse que falar-vos-ia.

Um simulacro movido pela fome seca e afiada das letras, das dores e dos amores, era o que era.

 Que a cada volume devorado perdia a si mesmo entre fac-símiles ilegítimas.

Hoje era Francisco, mas ao chegar perto das janelas vestia-lhe Irênia cujo desejo sempre seria pular nos braços do fantasma maltrapilho.

Na ida ao banheiro se metamorfoseia no príncipe das neves, a cantar feitiços para sua amada.

Antes de dormir viajava até Santa Helena para assistir à ciranda dos Ofanins e no dia seguinte retornava para o invólucro monocromático da vida.

Ele era assim. Um prisma decompondo a arte por dentro e a arte decompondo a vida por fora.

Francisco Grandiel
Enviado por Francisco Grandiel em 05/06/2022
Reeditado em 05/06/2022
Código do texto: T7531635
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