Inexistente
A conclusão havia chegado um pouco mais cedo e de forma inesperada.
Tinha um corpo, consciência e voz. E mesmo com esses elementos altamente sugestivos de um alguém, não existia.
Não sabia se viveu o suficiente da sua experiência humana e natural.
Entre o agir fisiológico e o sentir psicológico repousava a alma.
O que quer dizer é que não é mais sequer dono de si, antes de si muitos homens e mulheres manusearam esse que falar-vos-ia.
Um simulacro movido pela fome seca e afiada das letras, das dores e dos amores, era o que era.
Que a cada volume devorado perdia a si mesmo entre fac-símiles ilegítimas.
Hoje era Francisco, mas ao chegar perto das janelas vestia-lhe Irênia cujo desejo sempre seria pular nos braços do fantasma maltrapilho.
Na ida ao banheiro se metamorfoseia no príncipe das neves, a cantar feitiços para sua amada.
Antes de dormir viajava até Santa Helena para assistir à ciranda dos Ofanins e no dia seguinte retornava para o invólucro monocromático da vida.
Ele era assim. Um prisma decompondo a arte por dentro e a arte decompondo a vida por fora.