INTRADUZÍVEL
Há de haver alguma palavra,
um signo linguístico perdido
que te signifique como sinto.
Quando a torre de tijolos ruiu
e dividiu a humanidade em tribos,
no dia que o continente se partiu
e pela última vez nos vimos,
foi quando a palavra surgiu,
seguindo o curso do rio,
na fresta de cada hora
que foi se repetindo,
intocável e insonora,
afrontando a fúria de Deus!
Diziam-na em festas ímpias,
quando o medo lhes pedia,
quando a tempestade rugia,
quando a mente insana jazia,
cada um ouvia na própria língua,
já foi dita no protoindo-europeu,
já a profanaram em latim,
já a esqueceram em português.
Eu escuto seus fonemas
nos meus batimentos cardíacos,
quando suspiro teus pensamentos,
enquanto me alimento do teu riso.
Ainda a pouco estava comigo
entrecortando o ritmo marítimo
com que a chuva tocava a telha,
nitidamente era a palavra antiga
na qual o símbolo foi batizado
em sons que não estão na tabela,
sons que são somente dela
e só o coração há de ouvir,
que eu não ouso traduzir.