Amor Perfeito
Como se sem motivo, como por sobressalto
Como se fosse por acaso
Cresceram margaridas em meu peito.
Se espalharam pelos ventrículos, subiram ao átrio,
logo estavam nas veias cavas, na artéria pulmonar...
Quando chegaram a aorta eu era todo coração.
Da arteria pulmonar, estavam nos lobos,
E meu pulmão ficou com cheiro de primavera.
Viajaram por todo meu sangue,
Chegaram ao estômago e lá se tornaram borboletas,
Logo estavam no pâncreas, no fígado, no baço...
Eu tinha... eu tenho, margaridas em meus ossos,
em meus músculos, nas minhas veias, nos meus olhos
Na minha pele, nos meus dedos, nas minhas unhas, no meu cabelo...
A minha epiderme
é um campo florido
E logo não havia... e logo não há
mais eu.
Raul Brasil virou poesia
Virou verso
virou prosa
virou ensaio
virou peça
teatro
Raul Brasil virou tragédia
Quando me dei conta, nada mais pertencia a mim
meus braços, minhas pernas, meu esôfago, minha boca
meu nariz, meus olhos, minhas olheiras, meus textos...
De repente tudo era margarida
Elas me dilaceraram de dentro para fora
E eu virei o mais belo corpo-sem-órgãos
Eu amo desesperadamente as margaridas que me habitam
Mas são tantas que não sei o que fazer
Eu perguntei ao lírio, ao girassol, à tulipa...
Mas ninguém soube me responder.
Raul Brasil tem mais é que se foder
e aprender a amar que nem gente.
Vira e mexe arranco uma de minha boca
E brinco:
mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer
E para o meu azar
As margaridas têm entre 13 e 21 pétalas;
Elas nunca vão me querer.
Margarida
não é Amor Perfeito