Compor tem sido meu desporto
(I)
Compor tem sido meu desporto
Desde que perdi meu prazer
Do meu viver e do conforto
Da Lua que não posso ter.
Mas através do mau pensar,
Posso tirar algo bom, gaio,
Que talvez possa me animar
E me tirar de meu esmaio.
(II)
O doce, claro luar morto,
(Ou desejo que assim vá ser?)
Que de alegria foi meu porto,
De amor contra a dor no jazer,
Que grande inveja vem chegar,
Que nesse desejo desmaio,
Melhor não poderia amar,
Pelo olhar, corpo, eu me atraio.
(III)
De um desejo bom, porém torto,
Devo eu conformar e ceder?
Não eu! Seja sua luz orto,
De ponto a ponto mais tecer,
Pr'a que eu possa te procurar,
Bem mais que um trovador em maio,
Como Jaufré tentou amar,
Não pela lonjura me esvaio.
(IV)
Sei que, se escrevo por conforto,
Meu pesar deverá descer,
Pelo agrado faço e me exorto
De modo que eu não vá sofrer,
Mas como posso vos prezar
Se não vejo nem de soslaio,
Se eu não consigo nem falar
Com aquela que eu mais me atraio?
(V)
Nunca um semblante de conforto,
Apesar de mostrar querer,
Me deu, por isso estou absorto
Em desejos e em parecer,
Quando eu digo não mais amar
Então minto e eu me traio
E vou triste, sem meu luar,
Derrotado, nunca mais gaio.
(Envoi)
Lua, que meu poema vá
E mostre o abismo que caio,
Porque sem vós e seu falar
Da desgraça não me distraio.