Na sombra das palavras
sobre o texto que te escrevi e te entreguei,
tem uma coisa que não tive a chance de contar:
aquelas não eram as palavras que
eu realmente queria que você lesse.
assim como o presente
de alguém que visita um prisioneiro,
o que eu verdadeiramente quis entregar não estava na superfície;
o que havia de visível não passava de um disfarce.
queria que tivesse sido capaz de ler as entrelinhas,
de enxergar as letras que, de tão miúdas, sequer estavam lá.
queria que tivesse entendido que,
quando deixo metade de uma folha em branco,
não é porque não tenho mais nada a escrever-te
e sim porque espero que a preencha em resposta.
eu queria ter lido Clarice quando era pequeno
ela me força a olhar para as sombras que as palavras produzem
quando te escrevo e te entrego, não é apenas porque sou brega
embora essa seja uma especulação aceitável
mas sim porque estou em clima de doação
e papel e poesia vêm para preceder corpo e alma.