Assim me Vou
Assim me vou,
entre prados e prédios,
num estranho dualismo
de rural urbanizado,
num atalho que tracei
pra mudar o meu destino
e aportar numa paisagem
que não é meu território.
Assim me vou,
na avenida constelada
por astros artificiais,
descobrindo os corredores
que ainda guardo na memória,
bebendo a sede de campo
nas palmeiras que me acenam...
Eu sou um que já foi outro
nos registros da lembrança,
num duelo permanente
entre tais identidades
porque sigo pelas ruas
com saudade dos rebanhos
semeando minha mágoa
com sementes de açude...
Eu que vi o sol do sul
doar ouro ao arrozal
e a estrela da manhã
cochilar sobre a figueira,
vivo o cio vertiginoso
dessa safra de espigões
onde se planta tijolo
em searas de concreto.
Assim me vou,
pelas frestas do futuro
que o passado me mentiu...
Com a esperança obediente
à inclemência do relógio
na frenética rotina
das máquinas insones.
Mas não perco esse costume
de exilar-me, aos domingos,
entre as árvores do parque
e o gramado dos jardins
para respirar distâncias
e sentir campo nos pés.
Assim me vou
com agrícolas auroras
nas janelas da saudade
e uma ausência infinita
que não cabe no que sou;
com as mãos prenhes de versos
para dar aos meus iguais
e os olhos alumiados
pelo olhar enluarado
do amor que me conduz.