Sitiado

Nesse sítio

de céu velado

por encardido véu

onde o tear insone das chaminés

não descansa a tecelagem,

e anoitece a tarde gris:

necessito

do teu riso de manhã,

um só riso de aurora

aos meus olhos tão cansados

de ocasos permanentes.

Nesse sítio

de trigo maculado

por venenos invisíveis

e de rio em desvario

se arrastando para o mar

com a morte nas entranhas:

necessito

da ternura pastoral

que se anuncia

nas estrelas dos teus olhos.

Nesse sítio

sitiado de ameaças

onde a rosa desespera

com a volta antecipada

da imprevista primavera

e as abelhas

nos garimpos das corolas

buscam um sol fora de tempo

para o ofício das colméias:

necessito

do amparo e do zelo que dedicas

aos meus sonhos lastimados

pra ordenar a luz dispersa

nas manhãs despercebidas.

Nesse sítio

espoliado

onde o arado da ganância

assinala a terra estéril

em cicatrizes de erosão,

onde a mesa sofre a safra

pela gula insaciável

de exilar o grão nos silos:

necessito,

nesse sitio,

que repares o jardim

ao mandato do descaso

e apascentes a poesia

com a humildade das ovelhas

e a presença da esperança.