Amor.

O coração sempre quer. Ele sempre quer. Ele tem que querer alguma coisa. Ele tem que querer alguma coisa? Sempre penso no amor quando ouço refrãos de solo, arrepia, o coração desembesta dentro. Sempre tem aquele teclar que soa melodicamente doce e a gente espera uma cena ou a cena vem pra gente se formando, voando, os dedos que tocam em mim, e eu que toco os dedos. A gente se toca. Tudo se toca em algum momento, as coisas se atravessam e se levam um pouco, deixam a sujeira no ombro de um e de outro. Depositamos nossas versões a cada alguém que esbarramos. Ser-camaleão. Ser-quebra-cabeças.

Na sombra de viver um amor, eu vivo na dor de não vivê-lo. Esse será o meu amor; o que não existe. Existe, mas não vou ousar vivê-lo. Nas esperanças de ser tão efervescente, pode não ser nada. Prefiro viver o nada e sentir as quenturas. Me despedaça o coração a imaginação de me jogar nas lavas e elas serem frias. Quando se cresce as emoções vão ficando em temperatura ambiente. Ou eu perdi minha sensibilidade. Quem é que fala sobre isso? Preciso de alguém que fale sobre as insensibilidades da maturação, porque eu vim falar de amor.

O amor está em desligar as luzes, tomar banho quente de cuia, sentir a água carinhar a pele; sentir o silêncio da noite, deitar na cama e pensar nas lembranças de um passado onde as minhas emoções eram vulcões; decorar as memórias e o que já se passou da maneira mais bonita que posso, mesmo sabendo que não foi bem assim. Mais ainda, fabular sequências de minhas incrementações com acontecimentos dignos de um conto de fadas. Pensar, talvez, em um alguém que só exista em mim, que eu cuido e alimento e mudo e personalizo à minha maneira.

O amor está nos apelidos de passarinho que damos. O amor está em andar cinco quilômetros para levar um mísero termômetro verde para alguém que não está com febre. O amor também está em se esquecer um pouco, pra lembrar das necessidades de um outro. O amor está nele mesmo — físico, material — se tornar inerente no meio do centro da cidade, com as coisas se tocando o tempo inteiro, trocando sujeiras, trocando peças, aprendendo novas cores, mas ele está lá, sólido, com alguns acessórios, poucas mudanças, mas está lá, essencialmente.

Todas as horas nunca são suficientes para o amor. Todos os traumas são por falta de ou pelo o. Quando começa aquela canção, não consigo. Quando começa aquela outra, meu estômago começa a doer. Quando a criatura foi embora, um oco, um luto. Quando eu sabia que estava com o amor sozinha, eu continuei sabendo, e continuei com o amor sozinha, sem saber a hora de ir, porque justamente, amava. Não sabia ir. Não sabia que tinha que ir se o amor era mono. Me diga, amor, teu "a" é não?

Tudo sempre era sobre amor. A educação do amor é estranha e sempre me confundiu. Até hoje é assim. Eu disse que vinha falar de amor, não que sabia. Não é isso que sempre fazemos? Ela diz "me dê todo o seu amor", mas eu não tenho ideia da dimensão que ele tem. Às vezes consigo vê-lo, em alguns momentos consegui pegá-lo e senti-lo em minhas mãos, aventurando meu corpo de selva. O amor suou comigo.

Como posso te entregar tudo o que me torna viva? Sim, vivo pelo amor. Amor a tudo e todas as criaturas. Concomitantemente, eu realmente te entrego. Não me arrependo e às vezes dói.

Você é o meu espinho nas costas. Também sempre meu objeto, minha impossibilidade, meu nunca, meu nunca mais. Estou tentando não ser brega, tem como não ser quando se falar de amor? De qualquer amor, em qualquer lugar. Eu sou brega em tantas coisas, logo no amor tenho também de ser. Impossível e nunca. Possível, sempre. Amor é tudo aquilo que eu nunca poderei descrever, ele está codificado no meu peito e no meu espírito. O Amor é.

Eu sou subordinada e você é a minha coordenação.? O amor também é adjetivo. Eu gosto de quimerar, será que você já sentiu a mesma dor no mesmo lugar que eu, no mesmo segundo? Será que um dia, na hora exata, você pronunciou a mesma palavra que eu? Tudo é permissão de alguma coisa. Não me dê o teu silêncio, se respiro em tuas vias de notícias suas. Eu preciso de notícias, suas. Como que se pode amar tanta gente ao mesmo tempo? Como o amor brota assim, já oceano sem afluentes? Amor-cachoeira. Surra minhas costa e eu escorrego pelo limo das rochas amorosas. Não quero o irreal, eu quero o amor.

Lua de Ébano
Enviado por Lua de Ébano em 03/09/2021
Reeditado em 03/09/2021
Código do texto: T7334635
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