Saudade de Belchior

Saudade de Belchior

As paralelas dos pneus dos carros

O ronco surdo do motor na chuva

Nossas vidas lado a lado

Retas que se encontram no infinito

Paralelas vidas errantes

Sem paradeiro ou parada

A divina comédia do homem

Você viveu no oitavo andar

Eu moro no quinto andar

Minha morada é sua voz

Cuja doçura rude

Se demora a acostumar

Feito cerveja amarga

Feito vinho seco

O primeiro gole é de estranhar

Depois não há como largar

Quando sua voz entrou em mim

Feito sol no quintal

Amei seu bigode farto

Como amou Elis Regina

Rapaz latino-americano

Seu canto libertário e socialista

Rompeu as amarras da repressão

Nordestino até o fio do bigode

Hoje posso beijar minha menina

Sem me preocupar com o vil metal

Pra isso se fez sua voz

Que seu canto se espalhe na imensidão

Viveu como vive o vento

Sem destino ou parada

Revoando cabelos

Refrescando almas jovens coloridas

Homem sem casa

Que encontre enfim um lar

Hoje escuto seus discos

Leio seus livros

E nada mais