Pai
Pai lembrança etérea
Pai não lembro teu cheiro
Guardei por anos tuas roupas
Tuas gravatas tuas meias
Roupas íntimas usei
Quatro décadas passadas
Eu já esqueci teu cheiro
Teu rosto sóbrio nordestino
A memória tenta alcançar
Tuas histórias e sonhos
Teus livros manuscritos
Ei de publicar
Hoje eu sou pai
Não tenho mais nome
Sou apenas pai
E é tudo que quero ser
Tua neta é flor
Da árvore que plantaste
Na névoa da lembrança recobro
As histórias gostosas de ninar
A casinha velha ainda é nossa
Sei que ainda insiste em habitar
Marina a viu na escada
Crianças tem pureza no olhar
Tua sobrinha é linda
Te achou feio demais
Pai! Poderia o bigode aparar!
Não há barbeiros no além?
Quando morrer vou me barbear
Queria eu poder te olhar
Despir-me das roupas de adulto
E teu corpo forte abraçar
Você me contaria histórias
Dos livros bons pra ninar
Até eróticas poderia contar
Com todo respeito pai
Eu teria algumas pra contar
Adormeceria com Camões
No aconchego de teus braços
Não há refúgio igual
Aos braços de um pai
Porto seguro distante
Dormíamos abraçados lembra?
Me receba hoje em versos
Já que teu cheiro se foi no vento
Junto à fumaça de teu cigarro
Continental sem filtro lembro
Protelei tanto a paternidade
Tantos medos superei
Te acolho em nossa ancestralidade
Te assumo e reverencio
A cada dia sou mais teu filho
Quando supero os erros de um pai