Urutau.
Diz uma lenda no Pará:
Que um pássaro se apaixonou pela lua
E encantado tentou voar até lá,
Quanto mais ele voava mais a lua se afastava,
Por nunca conseguir chegar
urutau canta seu triste canto nas noites de luar:
Canto de espantar até o sapo-boi,
cantando eternamente: foi, foi, foi.
Se eu fosse um urutau que cantasse para a lua,
No dia que te visse com teu jeito graúna
Pararia de chorar para a lua
E ia ser apenas eu e você na mata virgem do meu coração
Todos sabem que onde tem urutau tem tristeza e solidão,
mas tem também mata preservada,
mata onde cresce as bacabas e buriti,
aqui tem muito espaço para ti.
É você que está no canto de Belchior
(Não o passarinho, cantor),
Na canção de Luiz Gonzaga
E nos cabelos de Iracema.
E em mim é um possível abraço de asa de graúna.
Você é o poema que faltou a Alencar.
Não quero mais olhar assim para a lua
Quero reservar para você meu olhar,
Contigo minha triste forma se transformaria
De um triste urutau num belo sabiá-laranjeira.
Procuro nas palavras este canto de pássaros
Quem me lê é quase um ornitólogo de um pássaro só
Me esforço para mudar meu canto de urutau
Encontrei em ti a beleza da graúna
Talvez agora possa enfim mudar meu canto.
É, as vezes só sei falar canção com asas de pássaro
e peso de montanha maior que o Everest
Não tenho aquele pássaro azul no meu peito
Que tinha no peito de um tal Bukowski
Tenho esta minha consciência de morcego.
Deus sabe o quanto quero largar o morcego de Augusto
Não falar mais a língua dos anjos
E num mágico rearranjo
Transformar riscos e rabisco.
Em pomba que no teu abismo se arrisca
Mariscando teu amor ao pôr do sol
Você tão arisca
E eu tão só
todo mundo ao pôr do sol fica mais comovido
Quem sabe assim você me daria ouvido.
Como queria esquecer da dor
E ser poeta do condor
Gritando na praça Castro Alves
Cessai a opressão, morte ao algoz
Cresce, cresce, vingança feroz
Viva canudos, contestado e Palmares.
Talvez você mude meu canto de urutau
Ou se transformara na minha lua.
Mas a verdade é que você me inspira outros passarinhos:
Meus pássaros de hoje é o de amanhã
É o canto da jandaia é do Maracanã,
Liberdade de andorinhas e maçariquinhos.
Talvez eu passe e você nunca me verá
E vou continuar cantando de dor
Não de amor.
E mesmo que você voe para longe, indo embora
E me cantando como aquele corvo: nunca mais!
Eu com asas pesadas para sair do chão, como um albatroz.
Não podendo te cantar coisas de Poe ou Baudelaire
Te cantarei o poema do Mestre Verequete:
“menina quando tu fores,
Me escreveres no caminho
Se num achares paperes,
Nas asas do passarinho
Do bico faça um tinteiro,
Da língua pena parada
Dos olhos letra miúda
E o coração carta fechada".
Não te quereria como muitos querem Assum-Preto
Cega dos olhos, para poder cantar melhor,
Ou como canário preso numa gaiola de Brechó,
Te quero guardada em meu peito
Como o canário Machadiano
Vendo o mundo como
um espaço infinito e azul, com o sol por cima,
Você sempre voando na minha rima.
A mais bela ave que vi voar
A mais bela ave que já vi cantar.
Talvez você não me compreenda:
Só sei tirar tristeza da palavra,
Não sei escrever com o bico do beija-flor
Palavras que falem o tamanho do meu amor,
Não sou como mestre Chico Braga, não tenho nenhum valor.
Você já ouviu o canto do urutau ou da graúna?
Já viu uma dança de carimbó?
Vivo cantando como urutau e perseguindo a beleza da graúna,
E nunca saberei dançar um carimbó,
No máximo imitarei um socó.
Com o coração cheio de tristeza e o estomago de cachaça,
pensamentos perdidos no carimbó
ouvindo a música do mestre Lucindo,
Não importa, nada importa....
Fico só...
Escrevendo....
Lendo...
Vendo...
A menina dançando com a saia colorida,
O mundo se perde na saia rodada.
Se eu pudesse pararia a tristeza..
Ou voltaria para o Pará.
É lá que sou urutau,
O problema é que está no Rio de Janeiro minha graúna.
Desculpe, é que as vezes paraense fala por passarinho,
Desconfio que fiz uma canção do exílio, ou um carimbó.
Estou exilado de minha terra,
exilado do teu amor.
(E. P. Coutinho)