As Promessas de Ontem

Ouço no acender de um fósforo

gritos, gracejos, risos e bombardeios

um campo extenso e vasto

onde um dia se viu terra sólida

e gramíneas

agora há armas, granadas, relevo acidentado

homens que vociferam dores e alegrias

Há espaço para o riso na guerra?

De repente,

no findar de uma imagem conjugada na mente

no findar de um retrato das palavras de uma carta

te vejo

Jugo sobre a face

atento ao que se passa ao redor

às explosões na paisagem

Gritas, vocifera, és um dos Homens

grita, graceja, reverencia bombas

não te reconheço assim, mas ainda sim te sei

Luzes, arsênio, ácido

Teu corpo sobre a lama

não mais altivo, não mais o mesmo,

agora o jugo é sobre o corpo dilacerado

não há riso

Teus companheiros te carregam e te estendem sobre uma maca

és mais um

No acender de um fósforo

antes que a chama se faça e depois se apague

A tua mão toca o peito, os dedos tenros

sobre um colar

uma foto

A descoberta de ti, naquela tarde

sob o sol, sob a chuva, dentre a multidão

me transbordou veloz

aguaceiro minha face no nervoso

do teu dorso me acariciando

Naquela tarde, no Parque

a consciência de estar beijando um homem

foi quase um estrondo no meu passado

mas te beijei como se beijasse a boca do riso, da volúpia

Não tardou, e tu já moravas em mim

e eu já morava fora de mim

dando abrigo a ti

e nós habitávamos o mesmo espaço

Não tardou, e promessas foram feitas

votos selados

corpos e toques

ardência dos amores

e um querer de alturas que me vertia

como eu verto as palavras para significar

Um dia tu partiste

e eu não te soube mais

só pelas cartas

pela palavra

Não, tu não verteu palavras

mas as tuas palavras me verteram

A consciência de beijar teu corpo sobre a maca

foi inevitavelmente a consciência de morte

mas as promessas que ficaram pra ontem

já se desdobraram em muito mais que sorte

Barroso Marcos
Enviado por Barroso Marcos em 17/06/2021
Código do texto: T7281305
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