As Promessas de Ontem
Ouço no acender de um fósforo
gritos, gracejos, risos e bombardeios
um campo extenso e vasto
onde um dia se viu terra sólida
e gramíneas
agora há armas, granadas, relevo acidentado
homens que vociferam dores e alegrias
Há espaço para o riso na guerra?
De repente,
no findar de uma imagem conjugada na mente
no findar de um retrato das palavras de uma carta
te vejo
Jugo sobre a face
atento ao que se passa ao redor
às explosões na paisagem
Gritas, vocifera, és um dos Homens
grita, graceja, reverencia bombas
não te reconheço assim, mas ainda sim te sei
Luzes, arsênio, ácido
Teu corpo sobre a lama
não mais altivo, não mais o mesmo,
agora o jugo é sobre o corpo dilacerado
não há riso
Teus companheiros te carregam e te estendem sobre uma maca
és mais um
No acender de um fósforo
antes que a chama se faça e depois se apague
A tua mão toca o peito, os dedos tenros
sobre um colar
uma foto
A descoberta de ti, naquela tarde
sob o sol, sob a chuva, dentre a multidão
me transbordou veloz
aguaceiro minha face no nervoso
do teu dorso me acariciando
Naquela tarde, no Parque
a consciência de estar beijando um homem
foi quase um estrondo no meu passado
mas te beijei como se beijasse a boca do riso, da volúpia
Não tardou, e tu já moravas em mim
e eu já morava fora de mim
dando abrigo a ti
e nós habitávamos o mesmo espaço
Não tardou, e promessas foram feitas
votos selados
corpos e toques
ardência dos amores
e um querer de alturas que me vertia
como eu verto as palavras para significar
Um dia tu partiste
e eu não te soube mais
só pelas cartas
pela palavra
Não, tu não verteu palavras
mas as tuas palavras me verteram
A consciência de beijar teu corpo sobre a maca
foi inevitavelmente a consciência de morte
mas as promessas que ficaram pra ontem
já se desdobraram em muito mais que sorte