"Infecta-me com o teu amor"

Li num poema adormecido

Na memória que acabei por acordar

Na altura da peste

Que coincidiu com a altura

Em que nos voltámos a falar

O que fez começar a revolução

Sanitária

De nós dois

Na distância segura

Da minha solidão

Pois se eras afinal a doença e não a cura

Eu preferia estar doente

Porque éramos os dois um

Com esta infecção

Sim

Foi o tempo e a idade

Que me despojou de lirismos

Eras a doença

Ainda o és

Mas é de Ti

Que eu mais preciso

Porque saudável

Não tenho estes sintomas

De sentir o corpo a arder

De uma insónia

Que não me deixa sequer adormecer

De sentir borboletas no estômago

Sentir esta dor

Que também é prazer

Por isso prefiro a doença da proximidade

À cura de te perder

E eu bem tentei ser o mesmo

Tentei que as imagens

Do que escrevo

Fossem as do tempo pré pandemia

Onde essas imagens eram belas

Ou tentavam ser

Mas

Meu amor

Minha doença

O mundo mudou

Pelo menos por agora

E o bicho devorou a minha imaginação

Ou se calhar me deu a lucidez

Para entender

Que por me matares por dentro

É assim que tenho que te descrever

Mas sabes

Aquele brilho nos meus olhos

De que tanto gostas

Só aparece

Quando decides aparecer...

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 03/06/2021
Reeditado em 03/06/2021
Código do texto: T7270340
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