O gris velado em sua composição

A solidão traz o seu peso de chumbo,

O gris velado da sua composição é como um cavalo que marcha,

e envolve, de forma leve, a brisa noturna;

Lisa como um sopro, que , em nada esvai-se, e em tudo se incorpora;

Talvez, tu sejas assim,

Como o pires lanceado pelo craqueler da louça,

Dizendo-me algo que lhe aqueça em minha verve suave e branca,

-luz que reticule o balanço das horas -

O seu abraço no engodo circular em que danço...

De antemão,

Passo o dedo à recursiva ênfase dos detalhes de sombra.

Nada se move,

Porém, indecisão não me recompõe,

nem causa ansiedade;

Rejeito as lágrimas entediadas de saudade e fome,

Não sei se viria de ti, se nos consome,

Quando me habita na calmaria ruidosa da chama insistente,

Que me esconde em teus abraços

Bailando e perturbando inevitavelmente

a claridade dos meus olhos.

Há algo de imoral e antagônico nos meus pensamentos,

Como podes ser o amor se estás cheia e vazia?

Pareces uma nuvem que se rompe e desaparece no céu

Trazendo-me a solidão de uma fogueira,

Ao mesmo tempo

em que sorvo as labaredas insanas da eclosão de um galope

no chá frio e cauteloso do destino;

Vou remexendo a colher no fundo da xícara, insistentemente,

Pensando em adornar com doçura esse pequeno drama...

Amo-te sozinho, um amor de festas ocultas no meu coração,

Como se escuta o vento balançando as folhas do outono,

Digo-lhe :

-corre, voa por tuas andanças, logo será verão,

Pensando em galgar novamente os meus galhos de ameixa ,

amordaçados pela serenada espuma de tuas lembranças.

Somewhere in Time

https://www.youtube.com/watch?v=5X3DNJjMtfk

Frases do filme Last Train to Lisbon

Raimund Gregorius, um professor suíço, salva uma mulher portuguesa que se preparava para pular de uma ponte em Berna, na Suíça. Repentinamente, a mulher desaparece, deixando seu casaco para trás. No bolso de sua roupa esquecida, ele encontra um livro de um autor português, Amadeu do Prado, e um bilhete de trem para Lisboa com data desse mesmo dia. Ele resolve, então, sair de sua rotina e embarca rumo a um destino desconhecido.

“Não pode ser simplesmente a ausência de outros, podemos estar sozinhos e não nos sentirmos nem um pouco solitários, e podemos estar cercados de gente e, mesmo assim, sozinhos. O que é, então? (…) não se trata apenas de os outros existirem, de ocuparem um espaço ao nosso lado. Mesmo quando festejam ou nos dão um bom conselho numa conversa amigável, um conselho inteligente e sensível – ainda assim podemos nos sentir sós. A solidão, portanto, não é algo que tem a ver com a presença dos outros e nem com aquilo que fazem. Com o quê, então? Com o quê, pelo amor de Deus?”_

Na página 48 ele fala sobre os momentos que decidem os caminhos que iremos tomar. Normalmente, decisões essas, que são feitas sem alardes, sem dramas, festas…

“É um engodo achar que os momentos decisivos de uma vida, em que seus rumos habituais mudam para sempre, sejam necessariamente acompanhados de uma dramaticidade ruidosa e estridente, acompanhada de grandes surtos. Esta é uma imagem batida inventada por jornalistas bêbados, diretores de cinema ávidos por flashes e escritores cuja cabeça é à imagem e semelhança dos pasquins de terceira categoria. Na verdade, a dramaticidade de uma experiência decisiva para a vida é de uma natureza inacreditavelmente silenciosa. Ela tem tão poucas afinidades com a explosão, a labareda e a eclosão vulcânica que, muitas vezes nem é percebida no momento em que acontece. Quando desenvolve seu efeito revolucionário e mergulha toda a vida numa luz totalmente nova, ganhando uma melodia completamente original, nova, ela o faz sem alarde, e é nessa falta de alarde que reside sua nobreza especial.”

A solidão foi tema recorrente na vida de Amadeu. Em certa altura (Página 347) ele questiona a razão de fazermos tantas coisas que odiamos…

“Será que tudo o que fazemos é pelo medo que temos da solidão? Será por isso que abrimos mão de todas as coisas das quais nos arrependeremos no fim da vida? Será por isso que tão raramente dizemos o que pensamos? Se não for por isso, por que é que insistimos em todos estes casamentos falidos, nas amizades hipócritas, nas tediosas festas de aniversários? O que aconteceria se rompêssemos com tudo isso, se acabássemos com a chantagem insidiosa e nos assumíssemos como somos?”

Um pouco adiante (Página 360) a morte é lembrada. E, novamente, o médico faz uma análise crítica das razões que nos levam a atitudes mesquinhas, fúteis e, principalmente, atitudes que nos trazem infelicidade.

“Lembra-te que terás que morrer um dia, talvez já amanhã. (…) Conscientes da morte, saber consertar as relações com os outros. Terminar uma inimizade, desculpar-se por injustiças cometidas, expressar o reconhecimento por aquilo que por orgulho não estávamos dispostos a reconhecer. Não dar mais tanta importância a coisas que achávamos importantes: as picuinhas dos outros, o fato de se acharem tão importantes, o julgamento voluntarioso que fazem da nossa pessoa.”

Não finalizaremos com um trecho, mas sim com uma frase de Amadeu de Almeida Prado.

“Se é verdade que apenas podemos viver uma pequena parte daquilo que há dentro nós, o que acontece com todo o resto?” – Pg 52.

O que acontece com todos os sonhos? Com todas as vidas que queríamos viver? Qual é o momento que optamos por viver com aquela minúscula parte que existe dentro de nosso ser? Se somos as somas de nossas próprias decisões, quem poderá dizer que a conta vai bater no final?