E no princípio havia a mulher
E se não existisse nenhum Adão?
E se Eva comesse aquelas maçãs
Sem receber nenhuma repreensão?
E se a descoberta naquele morder
Fosse a de um prazer beatífico?
E se a criação desse não viesse
De um nascimento parodínico¹?
E se o sentir, provar, morder, beijar
Fosse, tudo isso, um ato inefável?
E se na verdade o pecado estivesse
No olhar que abomina o desejável?
E se estivéssemos todos nus no Éden
Pra que nos víssemos naturalmente?
E se nosso querer fosse, plenamente,
Só pelas humanidades que nos regem?
E se o que é do humano nascesse
Por causa da minha benquerença?
E se não houvesse a tal onipresença
Para vigiar o que se cometesse?
E se Eva fosse eu? E se as maçãs
Fossem as que você tem no rosto?
E se o que eu sentisse no seu gosto
Fosse o sabor de uma vontade vã?
E se, apesar de tudo que se disse,
O Divino não me cedesse você?
¹Parodínico, relativo a parodinia: conjunto de dores do parto; "nascimento não parodínico": nascimento sem dor.