A COBRAR

Ontem Deus me ligou. A cobrar.

A cobrar atitudes e responsabilidades.

Ele disse: eu não criei o homem para se vestir de vaidades

e, sim, para se despir até de virtudes,

ter o nu de modos e intenções.

Eu lhe disse: nos somos imperfeitos, senhor, moldados

com a cola da loucura e cheios de emendas, emendas

parlamentares, decretos presidenciais, leis e atos,

ainda não aprendemos a lidar de modo correto

com os efeitos do que fazemos sobre os outros.

Ainda chateado, disse que não criou a insanidade

para uso o comum entre os seres, mas, para ser

estudada e contida, aprendizado e conhecimento.

Eu lhe disse: o homem come coisas como doces,

aplica metodologias que remetem à antiguidade

da percepção, tempos de cavernas repletas

de perguntas e respostas.

Eu lhe perguntei: algo pode ser feito?

Ele disse: desde que aprendeu a andar,

o homem olhou para o alto em busca

da celeste sensação de completude.

Navegou o vasto oceano da inquietude

e moveu céus e terras para obter domínio

sobre todas as coisas.

Se esqueceu do domínio sobre si.

Lhe dei o espelho e ele não vê.

Antes de desligar, disse:

A ligação é a cobrar. Pague.