Gênese oculta
Tu adormeces no plasma da vida;
afugentado em minha solidão conglomerada de estrelas
Tua forma é abstrata e respira minhas inspirações mais intimas. Fazendo-se constelar num eterno
sorver dos sonhos que me habitam.
Ah, teu berço é uma nebulosa que carrega-te delicadamente em meu seio. Formei-te tal como uma estrela gerada da morte de outra, pois reciclo belezas no cemitério da vida.
Ora, zombas de mim?
Eu nunca nem te conheci.
Mas tua ausência punge a minha.
E sonho com teus olhos buscando pelos meus; toda vez que sinto algo a me observar no negrume da solidão.
Será que procuras o formato da minha alma nas constelações, tal como procuro o formato da tua?
Sei que existes, ó ser que nunca vi.
E foi na existência de todos que já conheci, que visualizei o contraste oculto da tua.
Não faço o teu rosto; ele é que se faz nos pedaços luminosos do céu. Sangro com teus espinhos ao tentar tocar tua delicadeza fertilizada em pétalas de uma rosa intangível.
Onde anda você, ser que cresce dos mofos em minhas poesias?
Sei que me lês nos traços celestes.
E que talvez figure minhas estrofes em teus pensamentos; pois o teu formato também se revela nas linhas que escoram as palavras do tempo.
Já te confundi com outros rostos;
mas eles logo se dissolveram.
E provaram não sonharem comigo, tal qual você.
"Ó vão semblante de minhas aspirações, planto-te para que nasças além de mim, e então, enfeites o meu cemitério de amores perdidos.
Tu serás a vida vingando a morte;
A beleza recôndita de uma sepultura.
Já não sei como posso sentir falta de um ser que nunca conheci, mas
amo-te como algo que se acumula na alma e rompe a eternidade no céu da inexistência (...) "
Configurei-te no interior dos meus olhos, não obstante, o idealismo das formas nunca apeteceu a crueza improjetável do meu realismo.
Fora de mim tu se fez muito maior;
engendrou-se em tuas contradições e arquitetou um universo só teu.
Suspendo-me de ti para que se expanda livremente; contemplo-te na mais tenra devoção de quem não ama tão somente o desejo, mas a materialização sublime do objeto desejado.
Ao céu elevar-te-ei sem esperar pela harmonia imperturbável de um paraíso posterior.
Quero-te na perfeição híbrida de um corpo tecido por afirmações.
Quero que descame as minhas retinas e ensine-me a te olhar com a franqueza de quem fita algo sacro.
No conjunto de sua totalidade hei de bradar: "Tu és muito maior do que qualquer vão paraíso talhado em simetrias; és toda uma mitologia disposta de elementos só teus."
- Letícia Sales
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