Andar e amar no Sertão
Tenho 22 anos, nasci e me criei nas estradas do sertão de Alagoas. Meus pais morreram cedo. A vida nunca foi fácil.
O sol treme mundo a fora. Vózinha observa da janela. Ela nunca usou cachimbo nem fumava. Era viciada em café. Mas deixou. Não disse o motivo. Ela não comenta sobre suas decisões.
Dona Gedalva. Gedalva Antonia Costa é seu nome. Baixinha, forte, de cor parda. Olhos pretos brilhantes. Cabelo grisalho; um pouco a baixo do ombro.
Da janela ela solta gargalhadas.
Olho e nada acontecia além do vento.
Não ouso perguntar a razão. Aprecio a minha vida.
Dona Gedalva não é ranzinza. Ela tem seus motivos para ter um pouco de dureza em seu coração. Tudo que passou. A vida caprichou em suas surpresas.
Minha avó tem 83 anos. Casou aos 17. Meu avô tinha 20. Era um belo casal, segundo os vizinhos.
Ela discorda. Diz que por um tempo foi bom. Mas foi-se criando uma ferida e os 48 anos de convivência não foram tão belos assim. Meu avô morreu de mal súbito. Os dois viviam na casa de meu bisavô. Tiveram três filhos.
No sertão tudo é incerto. Cada um por si. E ao mesmo tempo tudo tão coletivo.
O vaqueiro passa com a boiada dispersa. Ele não sabe o que fazer. Quase 40 graus. Uma luta interminável.
Dona Gedalva observa tudo isso. Calada. Fala com os olhos.
O que foi, vó – Perguntei
- Um Silêncio -
Ela decide responder
Filho, cada dia, cada noite. Eu estive aqui nesta janela. Cantei com as asas brancas que por aqui voaram. Vi a correria do vaqueiro. O barro voava. As galinhas corriam do gavião. O cachorro latia. Tudo se modificava. Tudo acontecia. Era um prazer imenso. A vida era boa. Tudo tão nobre e simples. Tão rico. Seu avô era um cabra bom. Nada faltava. É mentira dizer que nesse sertão nunca passei fome. Teu avô fazia o impossível para que isso não fosse real. Dava o sangue. Se enfiava nas brenhas. Chegava cheio de espinhos.
Tinha dias que chegava só a alma.
Sebastião foi um marido corajoso. Criou os filhos como uma mãe. Eu nunca fui tão boa quanto ele.
Essa veia deveria ter se dedicado mais. Todos diziam que éramos um belo casal. Na verdade, Sebastião que era uma boa pessoa. Digno e feroz. Acalmava os bichos. Ajudava a todos. Não sabia dizer não. E eu tinha ciúmes disso.
Eu fracassei. Deixava as panelas queimar. Não dava água aos bichos. Fui uma pessoa rude e ingrata. Nunca dei o devido valor a Sebastião.
Quando ele me tirou de casa jurou amar até que a morte nos separasse. Ele cumpriu isso. Me amou até o último suspiro.
Antes de partir ele me disse: veia, tenha coragem. Cuide das crianças, cuide dos bichos. A natureza é muito boa. Ela vai te ajudar. Cuide de tudo. Não queime mais as panelas.
Ele era assim guardava tudo.
Eu sempre descontava nele todo mal que sentia.
Sem julgamentos ele só fazia o bem.
Nunca levantou a mão para mim.
Sebastião se foi e deixou saudades.
Tava rindo, aqui na janela, lembrando dele.
Que véio arteiro. Feliz com a vida. Apaixonado pelo sertão.
Hoje, senti falta. Aquela voz chamando Gêgê. Vem Gêgê. Matei uma cobra.
Tudo e todo momento ele queria dividir.
E eu fui cruel. Hoje, eu rio, mas a vontade é de chorar.
Meu véi Tião.