Construção

Pois é menino

Deixa eu te contar uma coisa que nos aconteceu

Os dias foram se passando

Nem eu e nem você percebeu

Ser despretensioso é uma armadilha

Feita para corações distraídos

Porque quando menos se espera

Castelos já foram construídos

Eu não sabia que o tempo era encarregado

Daqueles proativos por natureza

Ele mesmo junta os tijolos e o cimento

E constrói monumentos com destreza

Chega a ser assustador

Enxergar o que o tempo em nós construiu

Parece mais forte que um dia a gente pensou

Nossa despretensão certamente nos traiu

E agora o que fazer com esse castelo

Onde nem você, nem eu podemos morar?

Construído bem diante dos nossos olhos

Sendo inevitável o admirar?

De tanto olhar pra ele, o desejo

Por pouco faço as malas pra ele me mudar

Ele é tão meu, tão seu, é nosso

Que já não dá pra ignorar

Ele é nossa congruência

É o espaço comum, a fusão de nós dois

É o lugar onde ninguém nos alcança

Onde o agora desconhece o depois

Mas que coisa, atrevido tempo!

Quem permitiu construir bem aqui?

Não sabias que em terreno alheio

Não se pisa sem se pedir?

E agora o que faço com isso?

Quem vai assumir essa responsabilidade?

De sustentar esse edifício sentimental

Sem se esconder da verdade?

O tempo me disse que não tem culpa

E que deveríamos estar cientes disso

Nós lhe entregamos as ferramentas

Ele apenas executou o serviço

Pois é menino

O que faremos agora com toda essa contrução?

Eu olho pra ela e não me parece

Haver qualquer outra solução

Mantê-la de pé parece-me razoável

Mesmo que seu tamanho seja assustador

Da próxima vez a gente indaga pro tempo

Quem o ensinou a construir o amor.

[Quem sabe assim a gente evita a dor?]