POESIA DE VESTES SIMPLES

Não tenho com quem falar sobre poesia.

Não a fala o homem comum, que a vive todo dia,

seja no beijo silencioso à sua mulher,

seja no almoço, feliz, na lambida na colher...

O homem de vestimenta simples, que nem repara

nas vestes do corpo e nem o que lhe veste a alma,

seu cotidiano de ovo frito, televisor na sala,

dorme, cansado, nenhum furor, só a noite calma...

O que conversar sobre o inaudito, poderoso,

o sussurro da palavra roçando a mansa orelha,

versos com asas sobre a terra em dia chuvoso,

poesia é faísca, labareda, incêndio, centelha...

Aprendi que o coração tem olhos, vermelhos,

que a poesia é uma lágrima explicita, clara,

eu, quando a vejo nos passos comuns, de joelhos

me ponho e canto essa fúria, ternura rara...

Não tenho a certeza do falar, só a vivência,

não a procuro, me acha suas garras macias,

nem a pressinto, presumo ser a experiência

de dar-me a ela que me torno a mesma poesia.