Um fingidor de rosas
Na poesia é a linha de chorar que encanta,
por isso me fio numa declaração de amor que fiz às suas pegadas no dia que partiste,
quando só me restou a dobra dos sinos e a água na calha.
Sento e minha sombra na parede azul não me fala,
será que nem mais sou além da tinta; um verso triste e só.
E pensar que ainda ontem da janela da cozinha eu escrevia ao calor agradecendo o vento
e na base do telhado o calcanhar pousava distraído;
a alegria a ter comigo ia - como o corvo aos umbrais.
Acontece que partiste...
E um verso dado a sofrer porque partiste não é mais verso que o verso a esperar que tu voltasse ou o verso a negar a tua partida - em vão, porque partiste.
E dos restantes dos risos farei versos,
e se não houver restado, invento um jeito de andar tivesse eu a alegria - por que diabos sou poeta, oras!
Mas ainda assim, partiste.
A rua que diga o dia; hoje não abro a janela - nem pra olhar as raparigas! como tu dizias a mim de tardezinha e eu ria de ti pois te sabia.
Por que partiste e a natureza existe?
E a marca de batom deixada na caneca?
E eu? ainda existo, dois ombros me bastam - as rosas as são ainda que não nasçam rosas;
mas se a vida é curta e mal a tenho...
Torno a levantar o horizonte e arrastá-lo ao sol (por que partiste?)
e deixo à poesia triste um pôr-do-sol de agrado.
Um poema é sempre um jardim, mesmo que não houvesse,
e o poeta, um fingidor de rosas.