Coração aberto

A porta se fecha,
a boca se cala, a mão nega.
Lá fora há um nevoeiro,
a lembrança corta a garoa,
o frio se expõe ao tempo
enquanto a vida prossegue alheia,
farta de saber que tudo é margem
a quem se solta do rumo.
Lá fora, também há uma espera,
a vontade de ser quando se quer.
Há também um pedaço deflorado
de vida que foi sonho,
que bateu à porta, trancou a boca
fazendo as mãos negarem.
Mas antes que venha o extinto,
há de vir a sublimação.
É pela fé que espero
o rasgo no céu azul,
no brilho do seu olhar, no risco da boca,
o canto afetivo da nênia,
a glória de um só triunfo.
O tempo há de se cansar
de marchar só na amplidão.
Há de descalçar as sandálias
para perpetuar o repouso,
no abraço vazio ainda.
E quando a porta se abrir,
a boca no silêncio fechada,
há de se abrir para que a lágrima mergulhe.
Nos traços das mãos há um final,
o princípio do entrecortado,
do repúdio que não foi pecado.
Ao tronco firme do abraço amado,
a entrega que a ironia desperdiçou
em um longo momento,
que fosse um segundo,
bastaria para romper as barreiras da explosão,
na implosão do amor que mata.