O OUTRO

O homem que eu seria está dentro de mim,

às vezes o encontro,

em um espelho após o almoço,

saciado do nada em estômago duro,

eu pergunto:

Por que você me apareceu tão pouco?

E afirmo:

não há coisa pior do que ser tão aflito,

ralar-me em algo que sobrou de mim,

esfolar-me vivo na cova chamada vida.

O homem que eu seria está dentro do meu corpo,

às vezes encontro seus olhos magnéticos,

na fotografia do álbum infantil

e pergunto:

Por que você me apareceu tão pouco?

Por que fui você naquela praia,

naquele outro dia com tão escassas testemunhas.

Você saiu para falar.

Ninguém anotou a mensagem,

mas era você

e a abundância de ti em mim foi sua marca

e tanto foi farta a sua visita

que um dos presentes me trouxe

um sorvete.

O homem que eu seria

está dentro de mim para sempre,

e indiferente se esconde

constante crustáceo na lama.

Não surge nem para aquela que me despreza

e que hoje, escamosa, disse que me ama.